Métodos de Interpretação do Apocalipse.
O Apocalipse é o livro do Novo Testamento mais difícil de ser interpretado, basicamente por causa do uso elaborado e extensivo de simbolismo. Como entender estes símbolos estranhos, às vezes bizarros? Surgiram diversos métodos distintos de interpretação. Muitos intérpretes acham elementos valiosos em mais de um método, de modo que há considerável superposição. Mesmo assim podemos identificar quatro métodos distintos.
O Método Preterista
O ponto de vista predominante nos meios críticos e eruditos é que o Apocalipse faz parte de um gênero distinto de escritos judaico-cristãos chamado “apocalíptico” , que são “ panfletos para tempos difíceis” . O judaísmo produziu tais livros, como Enoque, A Assunção de Moisés, O Apocalipse de Esdras e Baruque, que têm diversas características literárias em comum com o Apocalipse, principalmente no uso de símbolos e num tipo semelhante de esperança escatológica. Estes escritores estavam desanimados por causa das más experiências históricas e a perseguição do povo de Deus por nações pagãs. Apesar de desesperarem da história, eles continuavam esperando em Deus e aguardando sua salvação. Acreditam que em breve Deus se ergueria do seu trono para abalar o governo das nações perversas, destruir todo o mal e estabelecer o seu Reino na terra. Isto se daria em uma catastrófica aparição cósmica que substituiria totalmente o sistema mau, caído, pelo glorioso Reino de Deus. Os autores apocalípticos viam seus dias como os piores e os últimos, já que o fim dos tempos viria imediatamente. Mas suas predições apocalípticas não foram cumpridas; e como profecias genuínas de eventos futuros os apocalipses judaicos são sem valor. Sua importância reside somente na compreensão das esperanças religiosas do povo cuja cultura os produziu.
Interpretado nesta linha, o Apocalipse expressa as esperanças dos cristãos primitivos da Ásia: que eles em breve seriam libertados dos seus sofrimentos sob o domínio dos romanos. Do ponto de vista preterista a Roma imperial era a besta do capítulo 13 e a classe sacerdotal asiática que incentivava o culto a Roma era o falso profeta. A igreja estaria ameaçada de extinção virtual, em face das perseguições que estavam às portas, e João escreveu para fortalecer a fé dos crentes, pois mesmo com a perseguição iminente Deus interviria, Cristo voltaria, Roma seria destruída e o Reino de Deus seria logo estabelecido. Claro que Cristo não veio, Roma não foi derrubada e o Reino de Deus não foi estabelecido. Mas predições proféticas não fazem parte da literatura apocalíptica. O livro cumpriu seu propósito de fortalecer e encorajar a igreja do primeiro século. Para os que querem defender o Apocalipse como um livro profético este ponto de vista é inadequado.
O Método Histórico.
Este método encara o Apocalipse como uma profecia simbólica de ioda a história da igreja até a volta de Cristo e o fim dos tempos. Os muitos símbolos do livro identificam diversos acontecimentos e tendências da história do mundo ocidental e da igreja. Obviamente uma interpretação como esta pode levar a confusão, porque não há diretrizes claras quanto a quais eventos históricos estariam sendo abordados. Uma romano e o falso profeta a Igreja Romana. Este ponto de vista foi tão popular que durante muito tempo foi chamado de o ponto de vista protestante. Pouco há a comentar sobre este ponto de vista, porque no caso u Apocalipse teria pouco a dizer às igrejas da Ã'sia a que foi endereçado.
O Método Idealista
Este método evita o problema de ter de encontrar cumprimento histórico para os símbolos do Apocalipse, e vê somente um quadro simbólico do conflito cósmico espiritual entre o Reino de Deus e os poderes satânicos maus. A besta é o mal satânico em qualquer forma que ele tome para oprimir a igreja. O capítulo 12 ilustra que há alguma verdade neste método, porque retrata um pesado conflito no céu entre Satanás e os anjos. Mas o Apocalipse não deixa de pertencer ao gênero apocalíptico, e o simbolismo apocalíptico se preocupa primeiramente com os acontecimentos da história que levam ao fim dos tempos e à vinda do Reino de Deus. Por isso temos de procurar adiante.
O Método Futurista
Este método interpreta o Apocalipse em grande parte como uma profecia de acontecimentos futuros, colocada em termos simbólicos, que levam ao fim do mundo e o acompanham. O ponto de vista futurista tomou duas formas principais, que podemos chamar de moderada e extrema ou dispensacionalista. Esta última entende as sete cartas como sete épocas sucessivas da história da igreja, expressas em símbolos. O caráter das sete igrejas ilustra as principais características dos sete períodos de declínio e apostasia (Laodicéia). O arrebatamento de João simboliza o arrebatamento da igreja no fim dos tempos. Os capítulos 6-18 retratam o período da grande tribulação — o último período, curto mas terrível, da história da igreja, quando o Anticristo praticamente destruirá o povo de Deus. No ponto de vista dispensacionalista o povo de Deus é Israel, de volta a Jerusalém, protegido por um selo divino (7:1-8), com o templo reconstruído (11:1-3); que sofre a ira do Anticristo. A igreja não está mais na terra, porque foi reunida ao Senhor nos ares. O ponto de vista futurista moderado difere do extremo em diversos pontos. Ele não vê razão, como o ponto de vista extremo, de fazer uma diferença tão definida entre Israel e a igreja. O povo de Deus que sofre a perseguição feroz é a igreja. Também não vê razão para reconhecer nas sete cartas uma predição de sete períodos da história da igreja. Não há qualquer evidência interna para tal interpretação, há apenas sete cartas para sete igrejas históricas. Mas concorda quanto a que o propósito do livro é descrever a consumação do propósito redentor de Deus no fim dos tempos.
Novamente é válida a objeção de que se o livro foi escrito para I ratar primeiramente de eventos do futuro distante, então sua mensagem linha pouca importância para as igrejas do primeiro século a que foi endereçado. Não podemos levar este argumento longe demais, ou ele esvaziará muitas profecias do Antigo Testamento de sua importância. Os profetas não falavam só de acontecimentos contemporâneos; Eles estavam sempre relacionando os eventos contemporâneos com o grande acontecimento do fim da história: o Dia do Senhor, quando Deus iria visitar o seu povo para redimi-lo e estabelecer o seu Reino. Isto nos leva a uma característica da profecia do Antigo Testamento que também é característica do Apocalipse, e que soluciona o problema da distância e da importância. Como já disse, os profetas enfocavam duas coisas em sua perspectiva profética: os eventos do presente e do futuro imediato, e o evento escatológico final. Estes dois são mantidos em uma tensão dinâmica muitas vezes sem uma distinção cronológica, porque o objetivo principal da profecia não é fazer um programa ou mapa do futuro mas deixar cair a luz da consumação escatológica sobre o presente (II Pe 1:19). Assim, na profecia de Amós, o iminente julgamento de Israel através da Assíria foi chamado de Dia do Senhor (Am 5:18, 27), e a salvação escatológica de Israel também ocorrerá neste dia (9:11). Isaías retratou a queda da Babilônia com cores apocalípticas, como se fosse o fim do mundo (Is 13:1-22). Sofonias descreveu um acontecimento desconhecido (para nós) como Dia do Senhor, que consumiria toda a terra com seus habitantes (1:2-18), como que pelo logo (1:18, 3:8). Joel passou imperceptivelmente das pragas de gafanhotos históricas para os julgamentos escatológicos do Dia do Senhor. Em outras palavras, o julgamento histórico iminente é visto como tipo ou prelúdio do julgamento escatológico. Ambos estão às vezes misturados como que sem respeitar a cronologia, porque o mesmo Deus que age no julgamento histórico iminente também estará agindo no julgamento escatológico final para alcançar seu propósito redentor. Assim, Daniel viu o grande inimigo escatológico do povo de Deus no rei histórico da Grécia, Antíoco Epifânio ou o Reino Selêucida — 11:3), que ainda tomou a coloração do Anticristo escatológico (Dn 11:36-39). Da mesma maneira o discurso do Monte das Oliveiras do nosso Senhor eslava impregnado tanto do julgamento histórico de Jerusalém às mãos dos exércitos romanos (Lc 21:20ss) como com o aparecimento escatológico do Anticristo (Mt 24:15ss). Roma foi um predecessor histórico do Anticristo.
De modo que, apesar de o Apocalipse estar primeiramente preocupado com assegurar às igrejas da Ãsia de que viria a salvação escatológica final no fim dos tempos, com o julgamento dos poderes maus do mundo, isto tinha importância imediata para o primeiro século. Porque os poderes demoníacos que se manifestarão no fim, na grande tribulação, já podiam ser vistos no ódio histórico de Roma pelo povo de Deus e na perseguição que lhe movia.
Por isso concluímos que o método correto de interpretar o Apocalipse é uma mescla dos métodos preterista e futurista. A besta é Roma e também o Anticristo escatológico — e, poderíamos acrescentar, qualquer poder demoníaco que a igreja tem de enfrentar em toda a sua história. A grande tribulação é primeiramente um evento escatológico, mas inclui todas as tribulações que a igreja possa experimentar no mundo, sejam causadas pela Roma do primeiro século ou por poderes malignos posteriores.
Esta interpretação é sustentada por vários fatos objetivos. Primeiro; faz parte da natureza apocalíptica de um escrito que ele se ocupe primeiramente com a consumação do propósito redentor de Deus e com o fim escatológico dos tempos. Este é o tema do Apocalipse: “ Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá” (1:7). Segundo: faz parte da natureza apocalíptica com seu simbolismo, seja o escrito canônico ou não, referir-se a eventos históricos que indicam e estão associados à consumação escatológica. Terceiro: Como já foi dito, o livro dá a si mesmo o nome de profecia. E também já vimos que a profecia por natureza deixa cair alguma luz do futuro sobre o presente.
Fonte:George Ladd – Apocalipse, Introdução e Comentário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário