A
epístola não possui uma estrutura claramente perceptível, mas mantém um
movimento ondulante de vaivém, alternando a repetição frequente de dois temas:
a fé correta e adequada em Cristo, e a necessária conexão entre fé e conduta
justa e certa. As tentativas feitas para demonstrar uma engenhosa estrutura
composta de sete partes ou grupos não são mais convincentes do que outras que
procuram mostrar a existência de um esquema sistemático. As hipóteses
improváveis de que o autor ou seus discípulos tenham acrescentado ao texto
original (1,1-2,27) vários resumos e meditações independentes, sem nenhum plano
unificado, ou que a epístola tenha sido constituída pela reunião de doze
admoestações originariamente independentes entre si, evidencia apenas que não
se pode discernir nenhuma sequência segura de ideias. Mesmo a suposição, que
apresentamos a seguir, de um resumo ou sumário, deve ser encarada simplesmente
como uma tentativa.
Na
seção de abertura, o autor confirma a realidade da vida que é revelada através
do Logos feito carne, que também oferece e concede aos leitores a amizade com
Deus. No primeiro ciclo de ideias
(1,5-2-27) — guiadas pela luz e pela confissão de Jesus como Cristo — duas
teses são discutidas minuciosamente: a) “Caminhar na luz”: caminhar na
luz não requer absoluta impecabilidade (1,5-10); advertência e confirmação a propósito
da realidade do pecado na vida dos cristãos (2 ,1s ) ; observar os mandamentos como
um sinal da confissão de Deus e de Cristo (2, 3-6); o amor ao irmão como prova
de que se caminha na luz (2,7-11); o leitor é lembrado da salvação que possui, e
é-lhe feita uma séria e premente advertência contra o amor ao mundo (2,12-17).
Depois, brevemente, mas com fortes investidas contra os falsos mestres,
segue-se a tese cristológica; b) Confissão de Jesus como Cristo
(2,18-27).
O
tema repete-se de maneira diferente no segundo
ciclo de ideias (2,28-4,6): praticar a justiça e confessar que Jesus é o
Cristo são sinais do reino de Deus. Aqui, mais uma vez, desenvolve-se a tese
ética: “praticar a justiça” (sobretudo o amor ativo e atuante ao irmão,
2,28-3,24) recebe ulterior e mais pleno desenvolvimento. Praticar a justiça e
purificar-se constituem características dos filhos de Deus, e permitem que eles
se apresentem serenos ao julgamento de Deus (2,28-3,6). Cometer pecados
caracteriza os filhos do demônio (3,7-17). O amor fraterno atuante, a fé em Cristo
e o amor aos irmãos constituem, em sua interação, o penhor da amizade com Deus
(3,18-24). A tese cristológica é a seguinte: “Todo espírito que confessa que
Jesus Cristo veio na carne é de Deus” (4,1-6). Mais uma vez ela é apresentada
como uma formulação profundamente anti-herética. No terceiro ciclo de ideias (4,7-5,13), o amor e a fé se unem numa
perspectiva singular e única, em que o amor se baseia na fé (4,7-21) e a fé se
baseia no amor (5,1-13), sendo ambos encarados em conjunto como sinais de que a
pessoa nasceu de Deus. Ideias conclusivas
(5,14-21): a certeza de possuir a vida confere alegria à oração (14s) e favorece
a intercessão, exceto quando existe pecado mortal (16s). As verdades básicas
mantêm-se firmes: não pecar é o resultado de se ter nascido de Deus e de a
pessoa manter-se firme na confissão de Deus em Jesus Cristo (18-20). Advertência final: conservar-se afastado
dos ídolos (21 ).
Fonte:
Introdução ao Novo Testamento - Werner Georg Kümmel.
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