Foram
os cristãos que, na época patrística e na Idade Média, divulgaram e até mesmo
salvaram Josefo. Os escritos rabínicos ignoram totalmente suas obras; o
judaísmo tradicional o renegou imediatamente. Em compensação, Eusébio de
Cesaréia e Jerônimo, e muitos outros Padres da Igreja, o estimavam muito. Seus
textos foram copiados e recopiados, traduzidos e retraduzidos. Foram objeto de
retoques e, às vezes, de censuras da parte dos cristãos. São conhecidas as
peripécias do famoso "Testimonium Flavianum" (testemunho de Flávio
Josefo sobre Jesus, cuja autenticidade foi sempre controvertida, desde o século
XVI: Antiguidades, XVIII, 63-64) com
suas diversas variantes cristãs, em grego, latim, siríaco e árabe, até em plena
Idade Média. Sabe-se também que o livro VI da Guerra dos Judeus, sobre a tomada de Jerusalém em 70, figurou em
algumas Bíblias siríacas como escrito canônico, com o título de Macabeus. E durante as cruzadas, os
escritos de Josefo foram usados mais do que antes como guias de viagem na Palestina.
Tudo
isto acentua a importância da obra de Josefo não só para uma melhor compreensão
do modo como se formou a Bíblia cristã, mas também para o encontro com a sua
posteridade e com as gerações cristãs que, mais de uma vez na história, deram a
essa obra uma significação viva, atualizando-a em um discurso novo. Os livros
de Josefo, especialmente as Antiguidades
Judaicas, são, apesar da quantidade de fatos duvidosos, das ambiguidades e
parcialidades que encerram, a leitura fecunda de uma imensa e poderosa
tradição. Ler Josefo como tal é mergulhar sem temor nas fontes dinâmicas e
imediatas do cristianismo como religião essencialmente bíblica. Ler Josefo em
sua posteridade cristã é viver com seu texto mais de dez séculos de história da
Igreja. Mais ainda, é contribuir para se fazer a história das relações entre o
judaísmo e o cristianismo, e isto tanto na raiz deste último como na
continuidade sólida de suas fases ulteriores. É assim que a obra de Josefo tem
valor de intertestamento: ela marca
para todas as épocas em que judeus e cristãos procuraram, muitas vezes na
defensiva, é verdade, e iam procurar a originalidade de suas respectivas
confissões, um ponto de acabamento e de saturação, no qual a passagem do Antigo para o Novo Testamento encontraria, de algum modo, e não o menos objetivo,
seu modelo descritivo adequado. Essa passagem não é só um fato do passado; ela
é um ato no presente, determinado por um jogo de relações e interações de
trajetórias histórica e socialmente indefinidas: é aí também que se situam a
função e o significado do prefixo "inter"
na palavra intertestamento.
Fonte:
André Paul - O Que é o Intertestamento, p.30,31.
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