A fim de entender os ensinamentos espirituais do livro, Levítico deve ser visto, em conjunção com Êxodo e Números, como literatura intimamente relacionada com a aliança do Sinai. Um Deus santo, puro e justo revelou-Se de novo aos israelitas, e lhes apresentou uma formulação da aliança, cujas condições foram aceitas. Em resumo, estas continham a garantia de que Deus providenciaria todas as necessidades materiais e espirituais do povo, inclusive a dádiva de um território estratégico como o lar nacional, se eles, por sua parte, O reconhecessem como o único Deus verdadeiro, e se comprometessem a não adorar qualquer outra divindade. Conforme era o costume com certos tratados antigos entre um grande rei e uma nação vassala, as responsabilidades e obrigações do povo ao qual o contrato era apresentado foram citadas com uma quantidade considerável de detalhes, e alguns dos estatutos da aliança do Sinai estão conservados em Levítico.
Entre outras coisas, estas disposições fornecem muitas informações acerca do caráter de Deus, e da Sua vontade para aqueles que estão num relacionamento de aliança com Ele. Em primeiro lugar, Levítico apresenta Deus como uma divindade viva e onipotente, que já interveio nos assuntos de Israel para resgatá-lo da escravidão no Egito e fazer dele um povo livre para adorá-Lo. Este ato milagroso de libertação é uma garantia da Sua capacidade para cuidar do povo escolhido, e de proteger seus interesses enquanto este continua a obedecer às Suas leis.
Em segundo lugar, o livro fala da presença de Deus com Seu povo Israel, simbolizada pelo tabernáculo no meio do arraial, que era o assento da Sua glória. O povo do Oriente Próximo tinha familiaridade com o conceito de um santuário portátil como indicação da presença de uma divindade nacional no meio do seu povo, e para os israelitas o tabernáculo era uma lembrança do poder supremo de Deus bem como da Sua presença. Conforme foi observado supra. Deus exigiu a adoração exclusiva do Seu povo como parte das propostas da aliança, e Levítico estipula as únicas condições que resultarão na aceitação do adorador.
O sistema sacrificial, que é apresentado com muitos detalhes em Levítico, foi um dos meios mediante os quais era regulada a vida comunitária em Israel. Embora os pormenores dos procedimentos sacrificiais variassem entre um tipo de sacrifício e outro, há uma ênfase consistente no livro sobre a importância fundamental do comportamento ritual correto. Deus pode ser cerimonialmente abordado somente de certas maneiras preceituadas, senão o resultado poderia ser a calamidade. Esta situação não era uma consequência da petulância divina, mas, sim, um meio de disciplinar os israelitas de tal maneira que obedecessem as instruções de Deus sem questioná-las. Embora se possa pensar que a sociedade hebraica antiga fosse demasiadamente governada por semelhante legislação, o fato é que os regulamentos funcionavam para a proteção e a orientação dos israelitas. Como resultado, o povo foi instruído corretamente nos modos aceitáveis do culto divino, e a ele também foram demonstrados, mediante exemplos dramáticos, os perigos da inovação e da desobediência. As seções legislativas de Levítico, portanto, tornam claro o princípio de que a obediência seria seguida pela vida e a bênção, ao passo que a desobediência resultaria na morte.
Deus não é meramente uma divindade viva e onipotente, como também é a essência da santidade. Este conceito envolve atributos éticos e morais, bem como puramente espirituais, e deve ser refletido na existência dos israelitas do dia-a-dia. Seu relacionamento, conforme a aliança, com o Deus vivo, é uma questão de importância suprema para a humanidade, e, desta maneira, devem tornar-se um reino de sacerdotes e uma nação santa. "Sereis santos, porque eu sou santo," injunção esta que aparece repetidas vezes em Levítico, bem poderia ser considerada o lema da vida nacional de Israel. A santidade de Deus envolvia um aborrecimento de qualquer coisa imoral ou pecaminosa, conforme a definição daqueles conceitos mediante a referência à legislação da aliança, e também se recuava de qualquer coisa que fosse injusta ou impura. Embora Deus fosse Aquele que cuidara dos israelitas escravizados no Egito até ao ponto em que os resgatou e lhes restaurou a liberdade, exigia que eles observassem as exigências da aliança que fora celebrada com eles, e que eles se comportassem como partes responsáveis daquele contrato.
O sistema sacrificial demonstrava a pecaminosidade humana, e os meios limitados que Deus adotara para restaurar o pecador à comunhão consigo mesmo. O pecador precisa arrepender-se e ser perdoado a fim de não morrer no seu pecado, e aqui deve ser notado outra vez que as transgressões para as quais a expiação é providenciada são as da contaminação acidental ou da violação involuntária dos regulamentos cerimoniais. Conforme será observado no comentário, não havia perdão para o tipo de pecado que se constituía em repúdio das misericórdias da aliança. Levítico nos ensina que a expiação pelo pecado deve ser pela substituição. O pecador deve trazer uma oferta que adquiriu com certo preço, como substituto pela sua própria vida. Sua identificação formal com ela é seguida pela apresentação da oferta a Deus, e uma declaração pelo sacerdote de que a expiação foi feita.
O livro, destarte, torna evidente que nenhuma pessoa pode ser seu próprio salvador ou mediador. O indivíduo deve comparecer diante de Deus com arrependimento, confessar seu pecado e obter o perdão de um Deus misericordioso que repudia o pecado, mas que demonstra ao pecador Seu amor segundo a aliança. A importância cardeal do derramamento do sangue na expiação vicária é indicada em Levítico 17:11, pois sem ele não pode haver perdão do pecado. Entre outras coisas, obter o perdão envolve o custo, e o sacrifício de uma vida.
A legislação geral de Levítico demonstra que toda a vida é vivida sob o olhar vigilante de Deus, e, como resultado, não faz nenhuma diferenciação artificial entre o que é santo e o que é secular. Um povo santo transformará pela sua vida coisas terrestres comuns em ofertas belas e aceitáveis diante de Deus. Mediante a habitação dEle dentro deles, serão revestidos de poder para ministrar a graça da aliança uns aos outros, e para aqueles que estão fora da nação de Israel, conforme surge a oportunidade. O alvo subjacente do ensino é, portanto, garantir que a santidade de Deus possa regular e dirigir cada área da atividade humana.
Fonte: R.K. Harrison – Levítico Introdução e Comentário.
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