Nascido e criado em Damasco por uma eminente família cristã chamada Mansur, João primeiramente assumiu um elevado cargo civil, mas, mais tarde, após a erupção da política iconoclasta do imperador Leão Isauro, juntou-se a seu irmão de criação Cosme como monge, no claustro de São Saba, próximo a Jerusalém. Foi ordenado ao sacerdócio e devotou o restante de sua vida a escrever livros e compor hinos para a Igreja, com os quais se tornou famoso. Alguns de seus hinos são cantados ainda hoje.
João defendeu o uso de ícones e, como resultado, foi condenado pelo sínodo iconoclasta de 1754. Morreu em idade bem avançada, mais provavelmente pouco antes do Sétimo Concilio Ecumênico (Niceia II, 787), que o reintegrou na Igreja, reconhecendo sua contribuição. Gerações posteriores o chamaram Chrysorroas, “derramamento de ouro”, por causa de sua erudição e seus hinos inspirados.
Foi no mosteiro de São Saba, onde ainda se pode ver sua cela, que João Damasceno escreveu a maioria de suas obras, usando material de autores anteriores, mas adaptando-o a um modo imponentemente metódico e original. Seus trabalhos foram traduzidos para diversos idiomas e utilizados por muitos autores (e.g., Pedro Abelardo e Tomás de Aquino, no Ocidente, e praticamente todos os teólogos sistemáticos no Oriente). Sua obra Vida, em grego, está dividida em quatro categorias: “Hinos melódicos”; “Orações panegíricas”; “Bíblia sagrada e sinopse divinamente inspirada” (i.e., sua obra sistemática/dogmática mais importante, A fonte da sabedoria); e “Tratados sobre os ícones”. Estudiosos atuais a dividem pelas categorias: exegética, dogmática, anti-herética, polêmica, ética, homilética, hagiográfica e poética.
Como teólogo, João Damasceno foi um tradicionalista, que seguia as Escrituras e os pais reconhecidamente aceitos, porque a ambos considerava inspirados pelo Espírito Santo. Estava interessado em questões e discussões teológicas específicas, mas era, acima de tudo, um teólogo sistemático, que visava a produzir uma summa de conhecimento teológico abrangente. Assim, cobriu quase todos os tópicos teológicos tanto de maneira geral quanto detalhada. Fez uso da filosofia de forma eclética, distinguindo claramente entre o conhecimento filosófico verdadeiro (“psíquico”) e o falso (“demoníaco”), argumentando que a filosofia estava relacionada à teologia como uma serva relacionada a uma rainha.
Sustentava que Deus é transcendente em seu Ser e imanente em sua graça, i.e., em seus atos criadores e redentores, por meio dos quais são revelados respectivamente os atributos divinos (eternidade, imutabilidade, majestade, etc.) e as divinas pessoas (as três hipóstases, do Pai, Filho e Espírito Santo). Seguindo a doutrina dos pais gregos e, especialmente, dos capadócios (ver Basílio de Cesareia, Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa), João Damasceno começa sempre sua exposição com a Trindade, movendo-se então para a unidade da divindade, que explana em termos de comunhão (koinonia), embora sempre mantendo a prioridade do Pai, que gera o Filho e projeta (ekporeuein) o Espírito Santo. O mundo, consistindo em criaturas espirituais e materiais, sem qualquer dualismo (posição antimaniqueísta), é contingente, tendo sido destinado a durar para revelar os planos de Deus, principalmente por meio das atividades dos anjos e dos homens. Todavia, uma queda livre (ele se opõe radicalmente à predestinação dos muçulmanos), da bondade para o mal, levou ao fracasso desse destino, ocasionando a escravidão e morte. Alguns anjos tornaram-se demônios e os seres humanos caíram em pecado, o que não somente constituiu uma perda da graça de Deus, da vida e do entendimento, mas também a sujeição à corrupção e morte por intermédio da procriação.
A solução para esses problemas é dada em Cristo, o Salvador. Para Damasceno, Cristo, em sua pessoa, é não somente um homem deificado, mas um Deus humanizado, que consiste, assim, em duas naturezas, a divina e a humana, semelhante ao ser humano comum, que consiste em duas partes, uma imaterial e a outra material, mas diferente dos demais seres humanos por não formar “um outro ser a partir de dois”, mas, sim, permanecendo “um em dois”.
João segue, aqui, tanto a ortodoxia de Calcedônia quanto as clarificações pós-calcedônicas, particularmente a doutrina da enipostasia, de Leôncio de Bizâncio e de Máximo, o Confessor, assim como a das “duas energias e vontades”, do Sexto Sínodo Ecumênico, que permanecem distintas embora harmonizadas. Por essas doutrinas, expõe ele tanto o erro nestoriano quanto o monofisista.
Para Damasceno, a obra salvadora de Cristo abrange seu ensino, sua vida e seu sacrifício sobre a cruz, resultando em sua ressurreição, ascensão e parousiafinal, que se tornam dons ofertados aos crentes, assim como fins a serem livremente obtidos por eles, mediante, respectivamente, a recepção dos sacramentos e a resposta pessoal de fé e obras. Essas últimas se resumem no ideal asceta cristão da renúncia ao “mundo”. Ligada intimamente à ênfase sobre as obras está a sua doutrina do juízo final, o qual deverá se seguir à ressurreição física geral de todos os seres humanos (fortemente asseverada em sua obra Contra os maniqueístas), assim como os cultos e as orações memoriais pelos mortos, considerados de benefício especial para os vivos.
João Damasceno cosidera a Virgem Maria e os santos como “cartas vivas da verdade salvadora de Cristo”, “amigos de Cristo” e “filhos de Deus”, que deveriam ser honrados e exaltados, mas não adorados. Esse ponto se torna mais claro em sua defesa do uso de ícones, com a qual afirma que “a veneração de honra dada ao ícone vai para o protótipo”, mas, também, que há uma distinção categórica entre a veneração de honra dada aos ícones (proskynesis, time) e a verdadeira adoração (latreia), a ser oferecida tão somente à Trindade. Em sua doutrina sobre Maria e os santos, bem como sobre os ícones, João mantém Cristo como seu foco principal e concentra seus esforços em expor a apropriação do dom da salvação de Cristo pelo ser humano. Foi provavelmente esta a razão, como com a maioria dos pais orientais, pela qual não desenvolveu nenhuma doutrina explícita sobre a Igreja.
Fonte:Sinclair B. Ferguson, David Wright - Novo Dicionário de Teologia.
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