Escolhemos agora certos traços que se harmonizam e compõem, à imagem de são Paulo, o verdadeiro cristão, o homem ideal que chegou à estatura de Cristo. Como, cônscio de seu destino, o cristão deve pensar a sua condição? Qual será sua psicologia?
Ele é cristão, sem dúvida, mas ele permanece homem, e um homem que não pode sair deste mundo; a perfeição de sua vida religiosa está engajada numa humanidade e em realidades temporais. Como realizará ele a síntese de suas duas vocações, a de cristão e a de homem?
1. Após ouvir a mensagem apostólica vinda de Deus e acompanhada de um apelo individual, o cristão recebe-a na sua inteligência e fá-la passar para sua vida. Ele entra no plano de Deus, que, desde o começo do mundo, tendo elaborado o projeto de multiplicar as imagens de seu Filho, predestinou-o para este destino misterioso.
A ação divina exerce-se pelo Evangelho e funda a salvação cristã, assim como a criação, que devia, também ela, terminar numa disposição de salvação, deu origem à primeira humanidade. O “cristão” não é uma novidade absoluta, ele era homem antes de ser cristão, e continua homem depois de seu chamado.
2. A vocação do cristão o introduz nesta economia religiosa em que determinados “apóstolos” receberam o encargo oficial de proclamar a salvação e de revelar o mistério do plano divino. É por isso que todos os cristãos estão unidos entre si pelo ensino e pela revelação apostólicos.
3. A humanidade criada por Deus era “boa”. Boas eram particularmente a inteligência e a vontade humanas. No desígnio de Deus, a inteligência era capaz de “conhecê-lo” contemplando as obras criadas, a fim de entrar em relação com ele; e a vontade estava orientada para seu culto e a submissão à sua lei.
Sem poder destruir a criação, pois os homens, individualmente, conservavam uma natureza “boa” e orientada para Deus, o pecado afastou a humanidade do seu criador. O testamento que Deus fez em favor de Abraão pressagiava uma reviravolta.
4. Pela morte do Cristo e por sua ressurreição, promessa e antecipação de sua vinda na glória, a criação retoma seu primeiro destino. Da vida do Cristo glorioso, realizada no Espírito Santo, nasce o povo novo dos crentes, a Igreja. O cristão é restabelecido na claridade de sua inteligência para contemplar seu criador, e na força de sua vontade para se submeter à lei divina. O Espírito Santo lhe revela os segredos do Antigo Testamento, aqueles oráculos que os judeus guardaram sem poder penetrá-los. O mesmo Espírito Santo o ilumina diretamente, em união com a revelação apostólica, para penetrar sempre mais profundamente no mistério de Cristo.
5. A psicologia do cristão se resume em três virtudes fundamentais: a fé, a esperança e a caridade. A fé é uma resposta de submissão inteligente e ativa à pregação apostólica. A esperança nos assegura quanto às realidades futuras da ressurreição dos mortos e orienta para elas a vida presente. A caridade é em nós o fruto do Espírito Santo; governa toda a nossa atividade.
As três virtudes “teologais” devem, entretanto, abrir suas fileiras para acolher uma virtude conexa: o dom da sabedoria ou do conhecimento superior, pelo qual o cristão consagra sua inteligência humana à penetração do mistério de Deus. Assim como o mistério é um desenvolvimento da mensagem apostólica, o conhecimento superior é uma ampliação da fé. A oposição que são Paulo demonstrava contra uma certa “gnose” desaparece diante da sabedoria cristã; esta se une à caridade, a virtude teologal por excelência.
Fonte: O Cristão na Teologia de São Paulo. - Lucien Cerfaux.
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