João escolhe o lava-pés conscientemente, para demonstrar o conteúdo concreto do pensamento do amor. Lavar os pés de outras pessoas era um serviço humilde que fazia parte das tarefas dos escravos, um ato concreto e também sujo e de modo algum apenas um ato simbólico ou litúrgico. O próprio Jesus dá a seus discípulos um paradigma da existência e conduta de vida cristã, ele os inclui na atuação do amor divino que lhes abre uma nova existência no amor fraterno. Aqui não se trata absolutamente apenas de um ato intelectual, de uma proclamação ou exigência ética, mas de um ato de Jesus! Também para João, o amor é um evento que não pode permanecer fechado sobre si mesmo e que se cumpre na atuação. Jo 13.4s narra o lado paradoxal desse amor: o lava-pés realizado nos servos pelo Senhor. O amor caracteriza não só a existência e a natureza de Jesus; mas no lava-pés, o amor ganha sua forma concreta e se torna o evento decisivo. Enquanto uma tradição afirma que Calígula humilhou deliberadamente os senadores romanos ao ordenar-lhes que lavassem seus pés, Jesus revela seu amor na liberdade de realizar pessoalmente esse serviço extremamente humilde nos discípulos. Jesus revela e realiza sua existência que vem de Deus no lava-pés como um ato em que o amor toma corpo (Jo 13.6-10a).
A surpreendente inversão dos papéis provoca nas pessoas agraciadas incompreensão e até mesmo uma espécie de escândalo (Jo 13.6-10a). Pedro defende-se energicamente do ato de Jesus; ele não quer entender que o senhorio de Jesus se realiza e se aperfeiçoa justamente no servir. No lava-pés, Jesus aproxima-se do ser humano e opera sua pureza (Jo 13.10). Acontece uma inversão: tanto no judaísmo antigo como nos cultos gentios é o ser humano que opera, por meio de seu próprio comportamento, a pureza e assim a condição para o encontro com Deus. Aqui, porém, é o próprio Deus que se aproxima do ser humano e o purifica. O ser humano não precisa e não pode contribuir com nada. Dessa maneira, a existência do ser humano é transferida por Deus para uma nova qualidade que se realiza, em correspondência com a atuação de Jesus, no lava-pés: "Se, portanto, eu, o Mestre e Senhor, lavei-vos os pés, então também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros" (Jo 13.14). O ato de Jesus contém em si a obrigação dos discípulos de fazerem o mesmo (Jo 13.15: "Pois eu vos dei um exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais"). O ato de Jesus é aqui simultaneamente um protótipo e um modelo para a atuação humana. Se Jesus fosse exclusivamente modelo, o ser humano seria novamente remetido a suas próprias capacidades, à necessidade de imitar seu modelo da melhor forma possível. Isto seria contrário ao amor de Deus que se antecipa. O ser humano não pode imitar Jesus, porque somente a atuação de Jesus fundamenta a existência humana e gera atuação humana. Não obstante, o ser humano pode se deixar incluir no movimento de amor, desencadeado por Deus e corresponder nisso a Jesus (Jo 13.34s). O lava-pés mostra que, para os crentes, não pode haver uma correspondência a Jesus sem uma atuação; ou seja, uma definição meramente verbal do pensamento do amor ficaria no aquém da atuação do próprio Jesus! O agir é um componente fundamental do pensamento joanino do amor, que é altamente concreto, justamente em sua estrutura marcado por princípios!
Fonte: Teologia do Novo Testamento – Udo Schnelle.
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