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Introdução ao Evangelho de Mateus.

 A rigor, o evangelho de Mateus é anónimo. Os títulos dos evangelhos foram acrescentados apenas no segundo século. A tradição da igreja primitiva, porém, atribui de forma unânime o evangelho a Mateus. Ele também era conhecido como Levi, um dos doze apóstolos de Jesus, um coletor de impostos que se converteu (9.9-13; 10.3)- Os estudiosos da nossa época têm questionado repetidamente essa identificação, mas não há razões convincentes para rejeitar essa tradição.
Destinatários
A tradição da igreja primitiva se baseia no estilo e no conteúdo do evangelho para dizer que Mateus escreveu para um público judeu-cristão. Não dispomos de muitos recursos para uma melhor especificação. Algumas fontes antigas são a favor da Palestina, talvez Jerusalém. Os estudiosos modernos com frequência sugerem a Síria, particularmente Antioquia.
Data
A hostilidade entre os judeus e os seguidores de Jesus nas páginas do evangelho fez com que muitos pensassem que a igreja judeu-cristã de Mateus já rompera definitivamente com a sinagoga judaica (não cristã). Isso frequentemente leva a uma data em meados da década de 80 ou mais tarde, depois de as sinagogas supostamente terem introduzido uma maldição contra os hereges (incluindo os cristãos) em sua liturgia de orações. Citações dos pais apostólicos sugerem o ano 100 d.C. como limite máximo para a data. Referências à destruição do templo (em especial 22.7) convenceram muitos de que Mateus escreveu depois desse fato (ocorrido em 70 d.C).
Nenhuma dessas considerações, porém, é determinante. É cada vez mais duvidoso que um rompimento oficial entre sinagoga e igreja realmente tenha acontecido em algum momento específico, abrangendo uma ampla área do Império Romano. Argumentos baseados nas profecias de Jesus muitas vezes descartam a possibilidade de que ele podia mesmo predizer o futuro. Nossa visão da relação literária entre Mateus, Marcos e Lucas também afetará nossa datação. Mateus provavelmente conhecia e usou trechos extensos de Marcos em seu texto. Marcos, por sua vez, pode ser datado entre o fim da década de 50 e o começo da de 70.
Ao que parece, Lucas também valeu-se de Marcos, e muitos dataram Lucas e Atos em 62 d.C, ano em que ocorreram os últimos fatos relatados em Atos. Marcos, então, precisaria ter sido escrito antes disso, permitindo que Mateus seja de pouco antes ou logo depois do ano 60. Há, no entanto, outras explicações para o fim de Lucas. Em Mateus, repetidas referências a rituais judaicos que não podiam mais ser realizados depois do ano 70 podem indicar uma data na década de 60, o que se alinharia com uma possível perseguição de cristãos pelos saduceus entre 58 e 65. Diante de todos esses fatores variáveis, temos de considerar qualquer data entre 40 e 100 d.C, mas talvez um leve peso dos indícios favoreça uma data anterior à queda de Jerusalém, entre 58 e 69 d.C
Forma literária
Apesar de muitas contrapropostas, Mateus, a exemplo dos outros evangelhos, é mais bem descrito como uma biografia teológica. Praticamente nenhum detalhe do livro tem apenas interesse histórico. Mateus estava tentando transmitir aos seus leitores sua maneira de entender o cristianismo. Motivação teológica, porém, não exclui a confiabilidade histórica. A historiografia antiga valorizava sempre a exatidão e também a ideologia, mesmo não insistindo na segmentação deles, como fazem os historiadores modernos. Como o texto de Mateus é interpretado segundo as convenções literárias da época, que, na maioria das vezes, não fazem questão dos padrões modernos de precisão na narrativa, podemos presumir sem dificuldades que seus relatos são confiáveis em termos históricos. Todavia, a razão para serem incluídos é quase sempre teológica.
Propósito e teologia
Mateus muito provavelmente escreveu seu evangelho por vários motivos. 1) Ele queria convencer os judeus não cristãos da veracidade do cristianismo. 2) Ele tentou explicar aos cristãos como sua religião é o cumprimento das promessas de Deus e do seu padrão de atividade no Antigo Testamento. 3) Queria dar aos crentes novos instruções básicas para a vida cristã. 4) Queria incentivar a igreja perseguida pelas autoridades hostis, tanto em círculos judaicos como romanos. 5) Desejava aprofundar a fé cristã, fornecendo mais detalhes das palavras e obras de Jesus.
As ênfases teológicas do evangelho combinam com esses propósitos. Mateus esforçou-se por demonstrar a atuação de Deus em Jesus no cumprimento de suas promessas ao seu povo escolhido, os judeus. Por meio da reação deles (ou até apesar dela), Mateus quis mostrar como Deus oferece as mesmas bênçãos e castigos a toda a humanidade (compare 10.5, 6 e 15.24 com 2.1-12 e 28.19). Ele retratou Cristo como mestre (nos cinco grandes sermões nos caps. 5—7; 10; 13; 18; 23—25), mas também como muito mais que um mestre: ele era o Filho de Davi, o Messias e Senhor do universo e do coração dos homens.
Mateus descreve a vida cristã principalmente em termos de obediência à vontade de Deus, definida como seguir a Jesus como discípulo e fazer tudo o que ele ordena (7.21-27; 12.46-50; 28.19). Cristo não aboliu o Antigo Testamento, mas a lei pode ser aplicada corretamente na vida do fiel apenas depois que ele compreende como ela se cumpre em Jesus (5.17). Mateus é o único evangelho que usa a palavra "igreja" (16.18; 18.17). Ele visualiza essa comunidade de seguidores vivendo depois da morte e ressurreição de Cristo e completando seu ministério de pregação do reino de Deus para que homens e mulheres possam ter um relacionamento salvífico com Jesus.
O valor teológico
O evangelho de Mateus mostra a unidade essencial que há entre o Antigo Testamento e o Novo. O Messias profetizado veio na pessoa de Jesus de Nazaré. Mateus apresenta Jesus Cristo como àquele que cumpre as promessas e predições do Antigo Testamento (1.18— 2.23; 5.17, 18). Ao mesmo tempo que Jesus é apresentado como o rei prometido, também é retratado como o rei-servo, cujo reino é estabelecido em sua obra de redenção.
O reino é descrito em termos presentes e futuros. O governo de Deus sobre a terra é iniciado pela pessoa e pelo ministério de Jesus. Sua manifestação presente é expressa pela transformação moral dos seus cidadãos. Os seguidores de Cristo refletem uma visão ética do reino, como se vê no Sermão do Monte (5.1—7.29). Eles são pessoas que buscam em primeiro lugar a submissão ao reino de Deus e a prática daquilo que ele considera justo (6.33). O reino aguarda sua consumação na volta de Cristo (24.1-51). No tempo presente os cidadãos do reino devem viver seu chamado como discípulos obedientes. Quem é discípulo expressa sua lealdade a Jesus obedecendo à sua Palavra (28.19,20).


Fonte: Manual Bíblico Vida Nova - David S. Dockery.

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