A denúncia que Jesus faz do templo, como instrumento da exploração econômica do povo, podem-se fundamentar com dados da época. O templo, com efeito, era potência econômica de primeira ordem.
A constituição de um tesouro para o serviço do templo remontava a uma tradição de Moisés (Ex 30.11-16), segundo a qual este recebera de Deus a ordem de obrigar todo israelita a pagar um imposto de meio siclo ( = cinco gramas de prata) ao ser inscrito no recenseamento aos vinte anos, como resgate a Deus por sua vida. O imposto era igual para todos, ricos e pobres, como sinal de que suas vidas valiam a mesma coisa perante Deus.
Tomando por modelo este imposto, introduziu-se nos tempos de Neemias outro, de um terço de siclo anual por cabeça, para contribuir para os gastos do culto (Ne 10.33s). Este último, aumentado para meio siclo (duas dracmas), era o que se pagava anualmente nos tempos de Jesus por todo varão maior de vinte anos. Na Palestina e no estrangeiro, um mês antes da Páscoa (no dia 15 do mês de Adar) colocavam-se por todo o país as mesas dos arrecadadores, e dez dias depois se instalavam no templo.
Em cada localidade havia pessoas designadas para arrecadar os impostos do distrito, ainda que se pudesse mandar diretamente para o templo. Se não se podia entregar em moeda legítima, era preciso pagar uma taxa adicional de dois por cento aos cambistas.
A fim de facilitar o transporte desde o estrangeiro para Jerusalém, permitia-se trocar as somas do imposto por moedas de ouro. A entrega era feita em três ocasiões do ano: o procedente da Palestina, meio mês antes da festa da Páscoa, ou seja, até ao dia 1º de Nisan, para que os sacrifícios pela comunidade israelita, ao começar o novo ano litúrgico, pudessem ser oferecidos pagando-se com o arrecadado no mesmo ano. Para as comarcas vizinhas, o prazo terminava meio mês antes da festa de Pentecostes. O imposto das regiões longínquas devia ser entregue meio mês antes da festa das Tendas (setembro). Para esta última festa acorria a Jerusalém maior número de estrangeiros, e sob sua proteção podia-se transportar o dinheiro com maior segurança. Flávio Josefo fala dos muitos milhares de homens que se ocupavam do transporte (Ant. XVIII, 9 ,1 ).
O dinheiro do imposto depositava-se no templo, nas câmaras do tesouro; a fim de usá-lo no culto retirava-se em três ocasiões determinadas, antes de cada uma das três festas citadas; Páscoa, Pentecostes e Tendas, de forma que cada vez se retira-se dinheiro recentemente depositado. Tiravam-se cofres grandes cheios de siclos de prata para custear os sacrifícios durante as festividades e para pagar o pessoal supletório.
O tesouro recebia também á prata do resgate dos primogênitos (Nm 18.15-16), os votos, para os quais existia tarifa precisa, como se pode ver em Lv 27, e os dons voluntários, ofertas ou coletas (2Rs 12. 5-6), ainda que proviessem de não-judeus (Esd 7.15-20). Só estava proibido admitir dinheiro proveniente da prostituição (Dt 23.18) ou de atos criminosos.
Na reconstrução do templo realizada por Herodes, este tinha situado o tesouro junto do chamado “pátio das mulheres”. Na fachada exterior deste pátio havia treze orifícios de madeira, de forma cônica (como trombetas invertidas, pelo que eram chamados de soparot, em hebr. trombetas), onde os fiéis lançavam suas esmolas obrigatórias ou voluntárias.
Sete destes orifícios, em que se lançavam as esmolas obrigatórias, tinham letreiros em aramaico indicando sua finalidade: meio siclo do ano em curso; meio siclo do ano anterior; para tortas, pombos, lenha, incenso, ouro e prata para os utensílios do templo. Os seis orifícios restantes levavam a inscrição “à vontade”, especificando a intenção: para sacrifício expiatório, impurezas legais ou simplesmente como oferta etc.
O dinheiro dos sete orifícios, especialmente dos destinados para pombas e tortas e para holocaustos, era empregado pelos sacerdotes, que ofereciam sacrifícios de acordo com as somas arrecadadas. O dos seis últimos destinava-se às vítimas para holocaustos. Outra parte dos fundos custeava diversos trabalhos de reparação e conservação do templo, dos seus aquedutos e das torres e muros da cidade. Compravam-se também vinho, azeite e farinha, que se vendiam, com um ganho para o tesouro, aos particulares que desejavam fazer oferendas. A administração estava obrigada a socorrer os operários do templo que ficavam sem trabalho.
Além dos destinados a guardar as somas em metal, os locais que compunham o tesouro eram numerosos: guardavam-se neles os cordeiros dos sacrifícios cotidianos, os pães da dedicação e o sal dos sacrifícios, havia outros para curtir as peles dos animais sacrificados e para lavar as entranhas. Existia também um depósito para a lenha, um local com uma fonte para a limpeza do templo e a Sala das Poltronas, local da reunião do Grande Conselho.
Sempre teve o tesouro do templo a fama de opulento e atraiu a atenção e a cobiça dos reis. Na primeira época, sob Roboão, Sisac, rei do Egito, apossou-se dele quando entrou vitorioso em Jerusalém (2Cr 12.9). A mesma coisa fez Nabucodonosor (2Cr 36.18; cf. Dn 1.2).
Passou por muitas vicissitudes, provocadas inclusive por reis da nação; por exemplo, Asa de Judá roubou o ouro e a prata do tesouro e os enviou a Benadad, rei da Síria, para forçá-lo a decidir-se a tomar partido contra Baasa, rei de Israel (2Cr 16.1-3). Joás pagou com suas riquezas a paz do país (2Rs 12.19).
Depois do exílio, o tesouro foi reconstituído por Ciro, que restituiu os objetos sagrados (Esd 1.8-11), e por numerosas doações espontâneas (Esd 8.24-30; Ne 10.33-40). Do tempo dos Macabeus conta-se que sob o sacerdote Onias “os próprios reis honravam o lugar santo, e engrandeciam o templo com presentes magníficos; até o próprio Seleuco, rei da Ásia, pagava de suas entradas pessoais todos os gastos necessários para os sacrifícios litúrgicos” (2Mc 3.2-3), e certo Simao, administrador do templo, informou ao governador da Celessíria e Fenícia de que “o tesouro de Jerusalém estava repleto de riquezas indescritíveis, tantas que era incontável a quantidade de oferendas, e desproporcionada para o pressuposto dos sacrifícios” (2Mc 3.6 ). A informação não parece exagerada se se tem em conta que Antíoco IV Epífanes, que saqueou completamente o tesouro, tenha levado dele uns cinqüenta mil quilos de prata (cf. Josefo, Ant. XIV, 7,1).
O tesouro funcionava como banco; nele se depositavam bens de particulares, sobretudo da aristocracia de Jerusalém, em especial das altas famílias sacerdotais. Os fundos do templo, unidos a suas propriedades em terrenos e construções, faziam dele a maior instituição bancária da época.
Para dar uma idéia das riquezas que guardava o templo, basta recordar os dados compilados por J. Jeremias sobre a quantidade de ouro que ostentava.
No templo de Herodes (19-20 a.C. — 62-64 d.C.), por qualquer parte que se entrasse tinha-se de passar por portões recobertos de ouro e prata, com exceção da porta de Nicanor (chamada de “a Formosa”, At 3.2), que era de bronze de Corinto e superava em valor as outras portas (Josefo, Bell. V, 5,3).
A fachada do santuário, que media 27,5m2, era toda recoberta de placas de ouro, assim como também a parede e a porta entre o vestíbulo e o Santo. As placas tinham a espessura de um denário. Também eram de ouro as pontas agudas que havia sobre o templo, como “defesa contra os corvos”. Das vigas do vestíbulo estavam dependuradas correntes do mesmo metal, e uma das duas mesas que aí havia era também de ouro maciço. Sobre a entrada que conduzia do vestíbulo ao Santo estendia-se uma parreira de ouro, a qual crescia continuamente com doações de ramos que os sacerdotes se encarregavam de dependurar. Sobre essa entrada, além de outras oferendas, pendia um espelho de ouro, que refletia os raios do sol nascente e que fora doado pela rainha Helena de Adiabene.
No Santo, que continha singulares obras-primas, estava o candelabro de sete braços de ouro maciço, com cerca de 70 quilos de peso, e a mesa dos pães da proposição, de maior peso ainda. Também o Santo dos Santos estava recoberto de ouro.
Tão grande devia ser a riqueza do templo, junto com a das famílias sacerdotais de Jerusalém, que depois da conquista da cidade, o preço do ouro baixou para a metade em toda a província da Síria (Josefo, Biogr. VI, 6,1).
Tudo isso acabou quando Jerusalém foi destruída por Tito (70 d.C.), a quem o sacerdote Jesus e o tesoureiro Finéias fizeram a entrega do Tesouro.
Fonte: O Evangelho de São João - Juan Mateos e Juan Barreto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário