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TEOLOGIA PATRÍSTICA.

É estritamente a teologia dos pais (lat. Patres), i.e., dos mestres e escritores da Igreja primitiva, expressa não somente em obras individuais, mas também de forma coletiva, tal como ordens da Igreja e definições conciliares. O nome “teologia patrística” foi usado pela primeira vez no século XVII para distinguir da teologia bíblica, que era escolástica, simbólica e especulativa. Não há unanimidade quanto ao que se considera ser o período patrístico. Foi à era mais criativa em matéria de doutrina, alcançando seu ápice no Concilio de Calcedônia (451), enquanto o colapso do poder romano no Ocidente, no final do século V, sugere seu declínio histórico; mas muitos consideram Gregório, o Grande, ou Isidoro de Sevilha (m. 636) como o último dos pais ocidentais, ou então Bernardo  como o último grande mestre pré-escolástico da Igreja. No Oriente, onde o governo romano continuou incólume, João Damasceno encerraria a era patrística, seguido do último dos concílios primitivos, Niceia II, em 787; mas, como a ortodoxia oriental é avessa a divisões drásticas, Gregório Palamas foi ainda honrado como pai e doutor da Igreja logo após sua morte, em 1359. Tradicionalmente, são considerados pais ou doutores (i.e., mestres) da Igreja ocidental: Ambrósio, Jerônimo, Agostinho e Gregório; e da Igreja oriental: Basílio, Gregório de Nazianzo e João Crisóstomo, sendo posteriormente acrescentado Atanásio. Mas há teólogos medievais e modernos reconhecidos também como doutores da Igreja no Ocidente. A categoria é mais ampla que a dos pais, por não ser restrita aos primeiros séculos, ao mesmo tempo que mais restrita, por incluir somente os mais eminentes e exigir uma designação eclesiástica mais formal. Distinção tem sido feita também entre os pais, por sua ortodoxia de doutrina e santidade de vida, e escritores eclesiásticos, como Tertuliano e Orígenes, que pertencem ã antiguidade cristã, mas desfrutam somente de aprovação qualificada eclesiástica. A consulta aos pais, em um sentido moderno, começou praticamente no final do século IV e começo do século V, principalmente nas controvérsias cristológicas. As igrejas ortodoxas não estabeleceram uma linha divisória entre a Bíblia e a tradição teológica da Igreja. A fé, para elas, vinha definitivamente de Deus, mediante Cristo, em continuidade ininterrupta, sendo recebida, pela Igreja, “das Sagradas Escrituras, dos ensinos dos santos pais e das definições de uma única e mesma fé pelos quatro sagrados concílios” (Constantinopla II, 553). Para o catolicismo romano, as primeiras definições conciliares, que endossaram a doutrina patrística, têm a infalibilidade do magistério da Igreja, enquanto ao consenso geral de outros ensinos patrísticos compete uma autoridade menos exata. Segundo Vincent de Lérins (m. antes de 450), por exemplo, a catolicidade da fé é reconhecível por sua universalidade, antiguidade e consenso.
Todas as igrejas da Reforma deram atenção especial aos pais primitivos, não como autoridade par a par com as Escrituras, mas, sim, como intérpretes piedosos da fé apostólica, em uma Igreja ainda unida e basicamente não corrupta. A “queda” da Igreja no erro e na superstição medieval foi frequentemente datada pelos reformadores em c. 600. Os anabatistas a colocaram no tempo de Constantino e chegaram a desconsiderar os concílios e credos, recorrendo até mesmo aos pais pré-nicenos contra o dogma patrístico posterior. A tradição anglicana, por sua vez, evidenciou sempre uma consideração altamente particular aos pais. Os pais foram fecundos na maioria dos campos da: teologia apologética (e.g., Justino, Tertuliano, Orígenes, Agostinho); teologia moral (e.g., Clemente de Alexandria, Ambrósio, Gregório, o Grande); teologia bíblica (especialmente Ireneu); teologia dogmática (e.g., Atanásio, pais capadócios, Agostinho, Cirilo de Alexandria); teologia mística (e.g., Gregório de Nissa, Pseudo-Dionísio); teologia ascética (e.g., os alexandrinos, Cassiano, Evagrius Ponticus, Basílio); teologia sacramental (e.g., Cipriano, Agostinho); teologia litúrgica (e.g., Cirilo de Jerusalém); e teologia filosófica (e.g., Agostinho). Sua principal contribuição diz respeito à elucidação da Trindade, à cristologia e às doutrinas da Igreja e dos sacramentos, do pecado e da graça. Sobre essa parte de sua obra, manifestou-se claro consenso, no Ocidente ou no Oriente, quando não na totalidade da Igreja, e dela a teologia da Reforma lançou mão sem muita hesitação. Todavia, não foi alcançado consenso quanto ao pensamento patrístico a respeito de expiação, antropologia, escatologia, obra do Espírito Santo e outros tópicos. 

Os aspectos distintivos da teologia patrística podem ser definidos de modo geral como se segue:
1. Era teologia da Igreja. Os teólogos da patrística eram indubitavelmente homens da Igreja (nem Orígenes e Tertuliano são exceções) e mestres da Igreja. Muitos deles eram bispos (um significado comum de “pai”). Considere-se que não existiam ainda cursos ou seminários teológicos. No cânon de Vincent, a verdade e a Igreja se pertenciam conjuntamente, assim como o erro e o cisma. O catecumenato era importante no ensino doutrinário sistemático. A teologia patrística foi, então, um empreendimento corporativo.
2. Baseava-se na exegese espiritual das Escrituras. Sermões e comentários constituíam meios importantes do ensino patrístico. Convencidos da inspiração total das Escrituras, mas carentes da perspectiva histórica, os pais logo lançaram mão das formas de exegese espiritual, especialmente alegorias e vasta tipologia, particularmente ao lidar com o Antigo Testamento. Somente a Escola de Antioquia seguiu uma abordagem mais gramático-histórica.
3. Era moldada por adoração e piedade. Os pais se baseavam na lex suppliandi ou orandi(“lei da oração”) para estabelecer a lex credendi(“lei da crença”). Agostinho argumentou a partir da prática do batismo infantil quanto à doutrina do pecado original. Basílio discutiu a importância dogmática das diferentes doxologias; e outros (e.g., nas controvérsias pelagianas) discutiram as implicações doutrinárias da oração. A devoção a Cristo como theotokos (“portador de Deus”) foi um ponto de partida para as discussões cristológicas.
4. Era uma tradição em desenvolvimento. Os pais construíam sobre os fundamentos de seus predecessores. Daí ser difícil, por exemplo, negligenciar o não reconhecimento por Cipriano do batismo cismático. A explanação dos teólogos ortodoxos foi considerada como meramente o que os apóstolos haviam ensinado de maneira sucinta, mas os hereges é que haviam produzido a novidade. Já a teologia antipelagiana de Agostinho, por sua vez, provavelmente não satisfazia o critério de antiguidade de Vincent, mas o que ele tinha em vista era refutar o uso de Pelágio pelos mestres mais antigos.
5. Era intensamente sobrenatural. A maioria dos grandes pais esposou ideais ascéticos. As influências platônicas comunicaram forte tendência espiritual a muito de sua teologia. Os valores que essa teologia mais caracteristicamente afirmava pertenciam ao mundo interior do espírito ou à esfera transcendente do céu.
6. Interagia com a filosofia secular. A partir dos apologistas do século II, os pais da Igreja fizeram da filosofia a serva da teologia. Difundiu-se a influência do platonismo e do estoicismo ecléticos, em particular. Os pais se engajaram de modo crítico no pensamento secular, dirigindo-se de forma inteligível à mentalidade pagã. Hoje, no entanto, considera-se que frequentemente deixaram de distinguir entre a teologia filosófica grega e as crenças judaico-cristãs. 
Fonte: Novo Dicionário de Teologia - David Wright · Sinclair B. Ferguson e J.I Packer.

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