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Predestinação, Eleição.

Como na bíblia em geral, também para Paulo em particular, a idéia da livre eleição divina é de importância decisiva. A Redenção, a exemplo da Criação, é também total e unicamente obra de Deus, derivada do seu decreto, da sua livre vontade (Ef 1:4). Ele faz o que quer e como quer, ele redime a quem quer e como quer. Ele é o Senhor Deus, ele é o Criador e reivindica o direito sobre as suas criaturas. A criatura, porém, nada tem, nem mesmo o menor direito sobre Deus. Deus está apto para dar e recusar o que deseja. No que tange ao modo bíblico de pensar a respeito de Deus, o conceito da livre eleição da graça é uma necessidade (Rm 9:11-16).
Mas, é também necessário enxergá-la a partir do conceito de salvação. Como a bíblia em geral, Paulo também nada sabe a respeito de outra salvação do homem a não ser que Deus tenha misericórdia e estabeleça comunhão com ele por meio de um amor livre (Rm 11:5-7). Deus não ama porque somos de alguma forma merecedores (ICo 1:27); mas porque Deus nos ama, nós temos e somos de algum valor (ICo l:30s). Seu amor, portanto, é totalmente “sem fundamento”, “sem uma causa”; sua única razão é que Deus o deseja (Rm 9:15s). Assim, seu amor é uma livre escolha, e esta livre escolha, sendo a causa original da comunhão de Deus conosco, é salvação (Ef 2:4-10). Ter sido escolhido por Deus e partilhar da salvação é, portanto, uma e a mesma coisa para Paulo (2Ts 2:13). Salvação é ser eleito, e ser eleito é salvação. Pois ser eleito significa ser amado, e ser amado significa ser eleito (Rm 8:29-33). E mais, significa ter sido eleito desde a eternidade (Ef 1:4-6, 9-12). O que vem unicamente da vontade de Deus, vem da eternidade. Se ele nos ama, então ele nos ama desde a eternidade.
Esta eleição, o amor de Deus livremente doado, torna-se manifesta e efetiva em Jesus Cristo (Ef 1:10). De fato, tendo sua origem na vontade eterna de Deus, já está unida com o Filho eterno (Ef 1:5). Nós fomos escolhidos no Filho de Deus desde a eternidade (Cl l:13ss, 26ss). E em Jesus Cristo este amor de Deus agora nos prende (Ef 1:11-13). Visto que nós só podemos compreender o coração de Deus e conhecer seu decreto de amor através de Jesus Cristo (Cl 2:2s), embora este decreto tenha sido feito desde a eternidade (Rm 8:29), assim nós só conhecemos a nossa eleição em Jesus Cristo (2Ts 2:13s). Os escolhidos são, portanto, os mesmos que os fiéis (Cl 3:12), os mesmos que aqueles que pertencem a Cristo pela fé (Rm 8:33). Pois aqueles a quem ele predestinou ele também chamou (Rm 8:30).
Deus, portanto, rejeitou outros desde a eternidade, a saber, todos aqueles que ele não predestinou desde a eternidade. Esta conclusão parece ser uma necessidade lógica. A coisa assombrosa, porém, que muitos teólogos dos tempos antigos e modernos têm deixado passar, é esta: que nem Paulo nem a bíblia, em qualquer lugar, delineiam esta conclusão. Alguém, de fato, lê na bíblia como um todo, como também em Paulo, muito acerca daqueles a quem Deus rejeita ou rejeitou (por exemplo, Rm 11:15), mas nunca sobre aqueles aos quais ele rejeitou desde a eternidade. Alguém encontra que Deus endurece os homens (Rm 9:18), mas nunca que ele os predestinou desde a eternidade para a dureza do coração. Está escrito na Epístola aos Romanos que Deus tem direito de fazer com sua criatura o que desejar - se ele desejar, pode também fazer vasos de ira (Rm 9:20-22); mas não diz que ele predestinou homens desde a eternidade para serem vasos de ira e os tenha criado como tais. Pelo contrário, é precisamente aqueles a quem Paulo descreve, no nono capítulo, como vasos da ira (9:22) de quem ele diz, no décimo primeiro capítulo, que já estão finalmente salvos (Rm ll:23ss). Neste assunto, Paulo e a bíblia são consistentemente ilógicos. As Escrituras recusam, por assim dizer, a extrair a conclusão de que a lógica, na direção oposta, gostaria de extrair do conceito de eleição eterna. Nenhuma parte da bíblia se aproxima tão intimamente do pensamento de um “duplo decreto da predestinação, um para a salvação e outro para a perdição”, como o nono capítulo da Epístola aos Romanos. Por outro lado, porém, ninguém se aproxima mais da doutrina da salvação universal como o final do capítulo onze. Tão ilógico e contraditório é o pensamento bíblico!
Se perguntarmos a razão disso, então estes são justamente os capítulos que nos fornecem uma resposta: apenas o fiel pode saber a respeito da eleição. A fé, porém, embora sendo dom de Deus, é requeridade nossa parte. Nós também devemos crer (ICo 16:13; Cl 2:7; Ef 6:16). A Palavra de Cristo está sendo proclamada a todas as nações, com a exigência da obediência (Rm 15:18). O que mais importa é a decisão da fé (Rm 11:20). Assim nenhuma teoria é dita a respeito da perdição como sendo algo que “está aí”, mas vem apenas numa exortação chamando ao arrependimento (Rm 11:20-22). Se você não crê, então apenas você é culpado disso (Rm 9:32s) - esse é o ensino da Bíblia. Mas se você crê, então você sabe que isso é inteiramente dom de Deus, sua graça (Rm 9:16). Visto que isso diz respeito à decisão da fé, receber a eleição de Deus pela fé, o oposto da decisão assim nunca é predestinação para a perdição, mas descrença, a possibilidade causada pela própria falta de alguém e da qual alguém está informado (Rm 11:23). Simplesmente porque a verdadeira vida do homem está completa e unicamente fundada em Deus, e apenas a falsa entidade em pecado, na culpa do homem, não há qualquer simetria lógica aqui. Portanto a doutrina da eleição deve necessariamente ser “ilógica”. E é exatamente isso que ela é através de toda a Bíblia e em todas as cartas paulinas. Porém, frequentemente a eleição eterna é mencionada, todavia, nunca há uma palavra a respeito de uma determinação eterna para a perdição, nem sequer uma única vez (comparar, p. ex.: Mt 25:34 com 25:41). Se seguimos a lógica, se extraímos da doutrina da eleição conclusões lógicas, então estamos em discrepância com o pensamento básico da Escritura Sagrada de que Deus é amor. Embora o oposto tem sido de algum modo continuamente asseverado pelos teólogos, é impossível para qualquer ser humano sustentar que Deus desde a eternidade predestinou e criou um número de pessoas para a perdição e que este Deus é amor. Tal coisa não é dita nem por Paulo, nem por qualquer outro apóstolo ou Profeta. No entanto nos é dito: se Deus quer salvar você, que é um pecador, então é totalmente por meio da sua livre misericórdia. E que deseja isto, ele declara a você em Jesus Cristo - e é o que ele oferece a você que crê. Se você não deseja receber a misericórdia de Deus, está perdido. A pessoa só pode ter o sistema lógico de pensamento quanto ao preço de perder a vida e a misericórdia de Deus.


Fonte:Romanos - Emil Brunner.

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