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LUCAS, O MÉDICO AMADO.

Lucas foi o autor do terceiro evangelho, e a tradição também atribui a ele os Atos dos Apóstolos. Acredita-se que ele é o mesmo Lucas mencionado três vezes no conjunto das epístolas de São Paulo: uma vez sem especificação em 2 Timóteo 4.11, a segunda vez como “colega de trabalho” em Filêmon 24, e a terceira como “o médico amado” em Colossenses 4.14. Como não é relacionado como um dos “homens de circuncisão” entre os companheiros colossenses de Paulo, Lucas parece ter sido um gentio, natural de Antioquia, de acordo com Eusébio, possivelmente o único autor não-judeu do Novo Testamento. Não é citada por Eusébio nenhuma referência ao Evangelho de Lucas por Pápias, que tinha escrito sobre Mateus e Marcos. Os mais antigos testemunhos referentes à sua autoria do terceiro Evangelho e dos Atos vêm do cânone muratoriano e de Irineu, bispo de Lyon, de c. 180 d.C. A mesma visão é confirmada por Eusébio em sua História Eclesiástica. O historiador afirma ainda, sem evidências, que Lucas traduziu para o grego a epístola de Paulo aos Hebreus, cujo original estava em hebraico ou aramaico. As principais razões para contestar a atribuição do terceiro Evangelho e dos Atos a Lucas, companheiro de Paulo, vêm das muitas contradições entre as afirmações autobiográficas nas epístolas de Paulo, dos relevantes comentários de Lucas sobre a sua biografia nos Atos dos Apóstolos e a ausência da teologia paulina nas obras atribuídas a Lucas, embora a apresentação da instituição da Eucaristia no terceiro Evangelho e em 1 Coríntios aponte na direção oposta.
No que diz respeito ao início e ao fim do Evangelho de Lucas, eles são mais desenvolvidos do que as narrativas equivalentes em Mateus. A genealogia do Evangelho da infância vai em sentido retroativo de Jesus até Adão, e os nomes dos ancestrais que não são tirados diretamente da Bíblia diferem inteiramente daqueles em Mateus. Apenas Lucas equivocadamente relaciona o nascimento de Jesus com um censo ordenado pelo imperador Augusto e implementado por Quirino, governador da Síria, e, ao contrário de Mateus, esboça uma viagem de José e Maria de Nazaré a Belém e seu retorno via Jerusalém, mas sem um desvio pelo Egito. Lucas também acrescenta um relato sobre o nascimento de João Batista e uma história sobre Jesus, aos 12 anos de idade, revelando seu conhecimento precoce aos mestres da Lei no Templo. Seu material especial doutrinário inclui muitos ditos de Jesus não registrados em outras fontes e cerca de 14 parábolas, incluindo a do Bom Samaritano e a do Fariseu e o Publicano, desconhecidas em Marcos e Mateus. Sua narrativa das aparições da ressurreição é consideravelmente enriquecida se comparada com o relato de Mateus.
Lucas, ele mesmo um gentio e se dirigindo a leitores quase que exclusivamente não-judeus, omitiu deliberadamente qualquer referência à restrição da missão de Jesus e de seus discípulos originais apenas quanto à casa de Israel. Também elimina os comentários chauvinistas de Jesus sobre não-judeus serem “cães” ou “porcos”. Um perfil universalista inicia e encerra o seu Evangelho. O ancião Simeão, após conhecer o menino Jesus no Templo, fala da salvação preparada por Deus para “todas as nações”, e a ordem de pregar o arrependimento e o perdão a todo o universo está presente no fim do terceiro Evangelho. Por outro lado, os Atos dos Apóstolos dão grande importância à hostilidade dos judeus para com os apóstolos e a Igreja nascente. O exagero mais chocante surge na afirmação de que uma segunda emboscada com o objetivo de assassinar Paulo tinha sido tramada pelos “sumos sacerdotes e os principais homens entre os judeus” (At 25.2). A lógica interna de todo o relato é a de que o Sinédrio pretendia julgar Paulo por um crime capital, não queria assassiná-lo.
Além do mais, há no Evangelho de Lucas uma tendência a diluir a urgência escatológica da mensagem de Jesus. O apelo inicial de Jesus ao arrependimento por causa da proximidade do Reino de Deus é omitido. Ditos escatológicos tendem a ser suavizados e imagens apocalípticas são sucessivamente abandonadas. Lucas gentilmente abre as portas para uma Igreja com um longo futuro.

Fonte: Quem é Quem na Época de Jesus - Geza Vermes.

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