Que
contém a fórmula pela qual o novo batizado proclama a sua pertença a Cristo e à
sua Igreja? Para um cristão de hoje, o essencial das verdades a que adere, bem
como os dogmas que professa, encontram-se resumidos num e noutro dos dois Credos
bem conhecidos: o Símbolo dos Apóstolos
e o Símbolo Niceno-constantinopolitano.
Os primeiros cristãos possuíam textos inteiramente análogos aos nossos, que
deles derivam em linha reta: é um dos pontos mais comoventes da história da
Igreja primitiva, e que nos mostra a filiação profunda que a ela liga os
cristãos dos nossos dias. Ainda que desenvolvidos e completados, mas sempre
semelhantes na substância, os nossos Credos
não são mais do que esses velhos textos que os batizados dos tempos dos mártires
recitavam, essas “regras da fé”, como dirá Tertuliano.
Nos
dias da Igreja nascente, o ato de fé condensava-se em quatro palavras: “Eu
creio em Jesus”. Assim o dissera o eunuco da Etiópia ao diácono Filipe: “Eu
creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus” (At 8. 37). E é bem verdade que crer
em Jesus Cristo, Filho de Deus, é o essencial do cristianismo. Durante as
primeiras décadas, e sobretudo nas comunidades que estavam em contato com os
judeus, insistia-se quase que unicamente sobre o lado cristológico da fé.
Perante a descrença de Israel, o que importava afirmar era o Jesus Messias: “Nenhum
outro senão Jesus — diz São Paulo — Jesus crucificado, Jesus ressuscitado” (1
Cor 2. 2). E podemos ler na primeira
Epístola aos Coríntios um pequeno Credo, do gênero daqueles que se
recitariam então: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; foi
sepultado e ressurgiu ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas,
e em seguida aos doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez,
dos quais a maior parte ainda vive (e alguns já morreram); depois apareceu a
Tiago e, em seguida, a todos os apóstolos” (1 Cor 15. 3-7).
No
fim do século I, Santo Inácio de Antioquia, escrevendo aos fiéis de Esmirna,
resume assim o que eles devem crer: “Ter a firme convicção de que Nosso Senhor
é realmente descendente de Davi segundo a carne, Filho de Deus pela vontade e
pelo poder divinos, verdadeiramente nascido de uma virgem; que recebeu o
batismo das mãos de João para cumprir toda a justiça; que por nós foi realmente
atravessado com cravos na sua carne, sob o domínio de Pôncio Pilatos e de
Herodes, o tetrarca; que é ao fruto da sua cruz e à sua santa e divina Paixão
que nós devemos a vida; e que, pela sua Ressurreição, levantou o estandarte
sobre os séculos, a fim de agrupar os seus santos e fiéis — tanto procedentes
do judaísmo como da gentílidade — num só e mesmo corpo que é a sua Igreja” (Esmirna, I, 12). Em suma; é toda a
missão de Cristo, tal como o Evangelho a narra, que se encontra resumida nesta
“regra da fé”.
Mas
muito cedo o formulário dogmático se foi desenvolvendo. Por quê? Muito
simplesmente porque, sendo uma realidade viva, o cristianismo obedece à própria
lei da vida: qualquer organismo, embora
permanecendo fiel a si mesmo, desenvolve as suas células, adapta-se ao meio e
reage diante do mundo exterior. Mal apareceu, a fé cristã chocou com a
contradição e foi trabalhada pelos fermentos da inteligência. A vida é uma
escolha perpétua, uma opção necessária. Para prosseguir de acordo com a sua
linha, a Igreja viu-se obrigada a escolher diariamente.
Desse
modo, foi levada a projetar mais luz sobre estes ou aqueles pontos do
ensinamento do Mestre que um adversário de fora ou um herético pudessem tentar
falsear. Evidentemente, não inventava nada: limitava-se a precisar. Muito cedo,
por exemplo, põe em relevo a teologia da Trindade, que está incluída no
Evangelho, mas que, perante certos erros e certos ataques, foi necessário
explicitar. Assim, São Clemente Romano termina uma das suas cartas com este
grito de louvor, que é também uma afirmação dogmática: “Viva Deus! Viva o
Senhor Jesus Cristo! Viva o Espírito Santo, fé e esperança dos eleitos!” Da
mesma forma. Santo Irineu, bispo de Lyon, afirma que “a Igreja, ainda que
dispersa pelo mundo inteiro, recebeu dos Apóstolos e dos seus discípulos a fé
em Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu, da terra, do mar e de todas as
coisas que neles existem; e em Cristo Jesus, Filho de Deus, encarnado para
nossa salvação; e no Espírito Santo, que falou pela voz dos Profetas”. E na
outra extremidade do mundo romano, Orígenes no Egito e Tertuliano na África proclamam
fórmulas semelhantes. Na variedade de esforços que anima esta Igreja tão viva,
o que nos impressiona é a unidade de princípios e a firmeza com que ela avança
nos seus desenvolvimentos.
Muito
cedo, ao que parece, todos os dados essenciais da fé foram reunidos num texto
único que serviu de base para o aprendizado dos catecúmenos — o Símbolo dos Apóstolos. A própria
palavra símbolo, em grego, sugere a
idéia de reunião, de conjunção. Uma tradição, referida por Rufino no século IV,
assevera que os próprios Apóstolos receberam de Cristo a ordem de compor, antes
de se separarem, uma regra de fé destinada a manter a unidade de ensino na Igreja,
e que de fato a redigiram, sob a inspiração divina, pondo em comum às luzes de
que cada um dispunha. Mais tarde, chegou-se a afirmar que cada um dos doze
artigos do texto tinha sido redigido por um Apóstolo expressamente designado
para isso. A Igreja católica não garante o caráter inspirado desse texto, mas
não há dúvida de que, pelo seu conteúdo, pela sua densa concisão e pela sua nobre
simplicidade, está evidentemente relacionado com os mais belos escritos desses
tempos apostólicos e que nele se inscreve o ensino mais permanente e mais
infalível da Igreja.
O Símbolo dos Apóstolos foi
sem dúvida posto por escrito mais ou menos simultaneamente na maior parte das
comunidades cristãs; houve assim uma versão de Jerusalém, uma de Cesaréia, uma
de Antioquia, uma de Alexandria e uma de Roma, que diferem entre si em alguns
detalhes. É da versão romana — não como a lemos em Rufino, mas tal como nos aparece
completada no século VI na Gália (razão pela qual se denominava “versão
gaulesa”) — que proveio o texto atual do Símbolo
dos Apóstolos. Mas, por confronto com as redações primitivas, conservadas
pelos Padres ou encontradas em papiros do Egito, pode-se ter uma idéia precisa
do que devia recitar um novo cristão, há dezesseis ou dezessete séculos, ao
receber o batismo. Eis o texto:
Creio em Deus, Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra.
E em Jesus Cristo, seu único Filho,
Nosso Senhor:
que foi concebido pelo poder do Espírito
Santo,
nasceu da Virgem Maria,
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi
crucificado, morto e sepultado;
desceu à mansão dos mortos;
ressuscitou ao terceiro dia,
subiu aos céus;
está sentado à direita de Deus Pai
todo-poderoso,
donde há de vir para julgar os vivos e
os mortos.
Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja Católica,
na comunhão dos santos,
na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna. Amém!
Fonte: A Igreja
dos Apóstolos e Mártires - Daniel Rops.
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