“Tomar
a Escritura e lê-la contemplativamente chama-se ‘lectio divina’ ou leitura espiritual. A expressão ‘lectio divina’ vem da tradição
beneditina e refere-se principalmente à leitura divina ou sagrada da Bíblia. ‘Lectio divina’ é a antiga prática monástica
de ler a Escritura meditativamente — não para dominar a palavra, não para criticar
a palavra, mas para ser dominado e desafiado pela palavra. Significa ler a
Bíblia ‘de joelhos’, isto é, com reverência, atenção e profunda convicção de
que Deus tem uma palavra única para você, exatamente na situação em que você se
encontra. Em suma, leitura espiritual é uma leitura na qual permitimos que a
palavra nos leia e nos interprete. A leitura espiritual é a disciplina de
meditação sobre a Palavra de Deus. Meditar significa ‘deixar a palavra descer da
nossa mente ao nosso coração’. A meditação significa mastigar a palavra e
incorporá-la à nossa vida. É a disciplina pela qual deixamos a Palavra escrita
de Deus tornar-se uma palavra pessoal para nós, ancorada no centro do nosso
ser. “A leitura espiritual é o alimento da nossa alma. Recebemos a palavra em
nosso silêncio, onde podemos ruminá-la, refletir sobre ela, digeri-la, deixar
que ela se torne carne em nós. Assim, ‘lectio
divina’ é a encarnação contínua de Deus em nosso mundo. “A leitura
espiritual é o sacramento da palavra, uma participação na presença real de
Deus. “Pela prática espiritual regular, desenvolvemos um ouvido interno que nos
permite reconhecer a Palavra Viva na palavra escrita, falando diretamente às
nossas carências e aspirações mais íntimas. Na leitura espiritual da Escritura,
focalizamos Deus e as palavras de Deus. Buscamos uma palavra e depois concentramo-nos
nessa palavra em oração. E é ao ouvir palavras particulares na Escritura que
Deus, repentinamente, torna-se presente para curar e salvar.
“Ler
costuma significar juntar informações, adquirir novos insights e conhecimento, e dominar uma nova área. Isso nos pode
levar a títulos, diplomas e certificados. A leitura espiritual, porém, é
diferente. Significa não apenas 1er sobre coisas espirituais, mas também 1er
sobre as coisas espirituais de forma espiritual. Isso requer uma disposição
espiritual não apenas para 1er, mas para ser lido; não apenas para dominar, mas
ser dominado pelas palavras. Enquanto lemos a Bíblia ou um livro espiritual
simplesmente para adquirir conhecimento, nossa leitura não nos ajuda em nossa
vida espiritual. Podemos nos tornar grandes conhecedores de questões
espirituais sem nos tornar pessoas verdadeiramente espirituais. “Ler a Palavra
de Deus deve nos levar, em primeiro lugar, à contemplação e à meditação”.
Conforme lemos espiritualmente sobre coisas espirituais, abrimos nosso coração
à voz de Deus. Às vezes, devemos estar dispostos a colocar de lado o livro que
estamos lendo para podermos apenas ouvir o que Deus nos está dizendo por meio
de suas palavras. A leitura espiritual está longe de ser fácil em nosso mundo moderno
e intelectual, onde tendemos a sujeitar qualquer coisa e tudo o que lemos à
analise e discussão. Em vez de separar as palavras, devemos uni-las em nosso
ser mais profundo; em vez de indagar sobre se concordamos ou discordamos do que
lemos, devemos indagar sobre que palavras são ditas diretamente a nós, e nos
conectar diretamente com nossa história mais pessoal. Em vez de pensar sobre as
palavras como questões potenciais para um diálogo ou trabalho interessante,
devemos estar dispostos a deixá-las penetrar nos recantos mais ocultos do nosso
coração, até mesmo naqueles lugares onde nenhuma outra palavra já tenha
entrado. Depois — e só depois —, a palavra poderá frutificar, como uma semente
em solo fértil.
“Isso
ajuda a perceber que a Bíblia não é primeiramente um livro de informações sobre
Deus, mas sobre a formação do coração. Não é meramente um livro para ser
analisado, escrutinado e discutido, mas um livro para nutrir, unificar e servir
como fonte constante de contemplação. Devemos lutar constantemente contra a
tentação de 1er a Bíblia instrumentalmente como um livro cheio de boas
histórias e ilustrações que podem nos ajudar a nos expressar em sermões,
palestras, trabalhos e artigos. A Bíblia não fala conosco enquanto nós a quisermos
usar. Enquanto tratarmos a Palavra de Deus como um item com o qual podemos
fazer muitas coisas úteis, não leremos realmente a Bíblia nem nos deixaremos
1er por ela. Apenas quando estivermos dispostos a ouvir a palavra escrita como
uma palavra para nós, a Palavra Viva poderá revelar-se e penetrar no centro do
nosso coração.”
Fonte: Henri Nouwen de A a
Z - Ricardo Bitum.
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