A
santidade da Igreja também se enraíza no testemunho do Novo Testamento. O chamado à seriedade espiritual e
moral ecoa na abertura do Evangelho de Marcos, na mensagem de João Batista (Mc
1.1-8,14), assim como também permeia o Sermão do Monte (Mt 5). A famosa retórica
“por isso” de Efésios coloca claramente a questão: “Por isso, eu, um prisioneiro para o Senhor, rogo-lhes que andem de modo
digno da vocação a que foram chamados. (...) Por isso, deixando a mentira, fale
cada um a verdade. (...) Por isso, sejam imitadores de Deus, como filhos
amados.” (Ef 4.1,25; 5.1.) As exigências têm sua origem intrínseca na ação de
Deus em Cristo. A Primeira Epístola de Pedro repete Efésios: “Como filhos obedientes, não se amoldem às
paixões que vocês tinham anteriormente em sua ignorância; pelo contrário, como
é santo aquele que os chamou, tomem-se santos também vocês mesmos em todo seu
procedimento; porque escrito está: Sejam santos, porque eu sou santo.” (1
Pe 1.14-16.) A imagem do sacerdócio real intensifica este tema: “Vocês, porém, são raça eleita, sacerdócio
real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamarem
os atos admiráveis daquele que os chamou das trevas para sua maravilhosa luz.”
(1 Pe 2.9.) A santidade como atributo da Igreja tem sido objeto de grave
controvérsia. Cristãos judaizantes nos séculos I e II, montanistas no século
II, donatistas no século IV, anabatistas no século XVI e várias seitas ao longo
de toda a história eclesiástica protestaram contra a frouxidão moral da Igreja,
contra sua falta de santidade. No fim, cada movimento acabou sendo julgado
sectário, quando não cismático ou herético. A santidade muitas vezes é mal
compreendida, assim como o foi pelos grupos sectários. No Antigo Testamento, a
santidade é antes de mais nada atributo de Deus. Ela refere-se a Deus e àquilo
que pertence a ele. A arca da aliança é santa (2 Cr 35.3, p. ex.) porque é de
Deus e representa o poder de Deus. Pela mesma razão, a terra é santa, assim
como é santo o próprio povo de Israel (Ex 19.6), por pertencerem a Deus: “Tomarei vocês por meu povo, e serei o seu Deus.”
(Ex 6.7.) A santidade de coisas neste mundo, de pessoas e da Igreja deriva-se
de Deus e do ser santo de Deus. Pertencer a Deus é ser santo; ser recebedor de
seu poder é ser santo. A Igreja é santa porque é criação de Deus, é a
recebedora da aliança divina de fidelidade e eleição, porque ela é o grupo de pessoas
que reconhece que pertence a Deus.
O
chamado à santidade de conduta é um chamado para completar a unidade com Deus
que é nossa por natureza, um chamado para submeter-nos ao poder transformador
de Deus como o fundamento de nosso ser neste mundo. A santidade não é, em
primeiro lugar, uma questão de moral, porém inclui um aspecto moral. A pureza
moral faz parte da santidade porque pertencer a Deus transforma a vida. O que
grupos sectários e heréticos não entenderam é que a pureza moral é fruto do
pertencer a Deus e não sua causa. A
santidade não é, antes de mais nada, algo que os seres humanos fazem, quer
dentro, quer fora da Igreja. Pessoas santas não tomam a Igreja santa. As pessoas
praticam ações santas porque pertencem a Deus e reconhecem este fato acerca de
si mesmas. A eleição de Deus torna a Igreja santa. Os grupos
heréticos e cismáticos reconheciam que a vida na Igreja se caracterizava por
santidade, mas erravam ao fazer dela uma realização humana ao invés de um dom
divino. A Igreja através dos séculos tem aceito a impureza entre seus membros e
os perdoados se mostrassem que estavam arrependidos; tem resistido à tentação
de ser rigorista e de negar perdão mesmo para pecados graves. Os aspectos
indicativo e imperativo da santidade estão claros dentro da estrutura
precedente. A Igreja já foi escolhida; ela já pertence a Deus, porque Deus agiu
de modo preveniente a nosso favor. Por isso, a santidade como indicativo está no
âmago da existência eclesiástica. Ela também é um imperativo, um desafio a ser
realizado, porque a Igreja não tem respondido ao chamado de Deus como deveria e
sua vida não espelha sua eleição. Assim como os outros atributos conferidos à
Igreja no credo, também a santidade não é apenas uma preocupação intra-eclesiástica.
Ao estabelecer o ideal da santidade, a Igreja aponta para a realização de toda
a humanidade. O chamado à santidade é uma convocação para todas as pessoas
viverem de uma maneira que seja digna da humanidade e comensurada à adesão da
humanidade à fonte de sua vida. De forma semelhante, em seu exercício do “poder
das chaves”, para julgamento e perdão, a Igreja prefigura a visão final de
todos os seres humanos, de que o chamado à santidade de vida, embora seja inalterável
e nunca deva sofrer emendas, também inclui perdão. A imperfeição não exclui a
realização. É da natureza de Deus ser gracioso para com todas as pessoas.
Fonte:
Dogmática Cristã v.2 - Carl E. Braaten & Robert W. Jenson.
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