Segundo
a teoria da «Segunda Provação», ou «Segunda Oportunidade», aqueles que
morreram sem estarem salvos, têm uma outra oportunidade para salvação, na vida
futura. A Igreja Cristã, quase universalmente, tem sustentado que apenas os que
já são crentes na hora da morte estão salvos e que não haverá uma segunda oportunidade
para arrependimento, depois da morte. O ponto de vista oposto tem sido
defendido apenas por indivíduos ou por grupos relativamente pequenos. Nos primeiros
séculos, apenas Orígenes e alguns místicos tinham esta opinião. No tempo da Reforma,
alguns dos Anabatistas afirmaram que haveria uma segunda oportunidade. Durante
o século XIX, alguns teólogos, na Alemanha, e na Inglaterra (o mais importante dos
quais foi o alemão Schleiermacher), defenderam esta ideia, dando um grande
impulso a este ensino. Recentemente, a seita conhecida como Testemunhas de
Jeová, começou a propagá-la, de forma agressiva, assim como os Adventistas do
Sétimo Dia. Como o modernismo, com a sua negação mais ou menos consistente, do
sobrenatural no Cristianismo tem-se tornado mais proeminente, a teoria da «segunda
provação» tornou-se a doutrina característica dos Universalistas. Entre os que
acreditam numa «segunda provação», há várias opiniões sobre se esta
oportunidade vai ser oferecida a todos, ou apenas a certas categorias de
indivíduos. Praticamente, todos concordam em que esta oferta será feita a todos
os que morrerem na infância e a todos os pagãos adultos que não ouviram, nesta
vida, o Evangelho; a tendência geral, porém, é torná-la extensiva a todos
quantos nunca pensaram a sério nas reivindicações de Cristo, ou O rejeitaram. A
maior parte daqueles que aceitam tal ponto de vista, é que ninguém, a não ser
os que resistem obstinadamente, se perderá. Alguns pensam que os que não estão salvos
passarão por um novo período de preparação, sendo este período mais ou menos
longo e intenso, de forma que, eventualmente, todos os seres humanos se
salvarão. Isto é, evidentemente, Universalismo. Considerando os sofrimentos experimentados
depois da morte como essencialmente disciplinares, e não punitivos ou
vingativos.
O
apoio para a teoria da «segunda provação», está baseado mais em conjecturas
humanitárias, ou em suspeitas sobre o que Deus, no Seu amor e bondade, deveria
fazer e num desejo, facilmente compreensível, de alargar a redenção a tantos
quantos possível, do que em bases encontradas nas Escrituras. A única passagem
das Escrituras em que se baseiam os que defendem este ponto de vista, é 1Pedro
3:18-20, em que se diz que Cristo, no período entre a Sua morte e a Sua ressurreição,
foi ao mundo inferior e pregou aos espíritos dos que tinham morrido antes da
Sua crucificação, oferecendo-lhes salvação pelo sacrifício que acabara de fazer.
Já apresentámos, no parágrafo anterior, o que pensamos ser a interpretação correta
destes versículos. Se esta interpretação é correta, estes versículos não têm
qualquer relação com a segunda provação. De qualquer forma, só podiam ser
aplicados àqueles que morreram antes da crucificação. Os que morreram desde aquela
data, em especial os que ouviram o Evangelho e O rejeitaram, tiveram uma oportunidade
mais que excelente e, evidentemente, têm de ser tratados de maneira diferente. Mas,
exegeticamente falando, estes versículos não dão qualquer apoio à teoria de que
os que recusam o testemunho da graça de Deus, neste mundo, ouvirão, de novo, no
outro mundo, a pregação do Evangelho. A solene realidade é que todos os que
morrem, na incredulidade, serão condenados eternamente. Nada há nas Escrituras
que mostre que os tais terão uma segunda oportunidade. As Escrituras apresentam-nos
de maneira uniforme o estado dos justos e os ímpios, depois da morte, como
definitivo. A passagem mais importante nesta conexão é, talvez, a parábola do
rico e Lázaro, em Lucas 16:19-31. «E além
disso; disse Abraão, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que
os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá
passar para cá». Jesus deu-nos um aviso solene: «se não crerdes que eu sou, morrereis em vossos pecados» (João
8:24). Cristo declarou, em quatro ocasiões diferentes, que depois da rejeição
da oportunidade concedida neste mundo, «haverá
pranto e ranger de dentes»: Mateus 13:42 (parábola do joio); Mateus 22:13
(parábola das Bodas); Mateus 24:51 (parábola dos dois servos); e Mateus 25:30 (parábola
dos talentos).
Esta
afirmação, dura como é, indica abertamente a miséria absoluta duma condição permanente
e, o seu uso repetido, mostra a Sua preocupação em que as nossas mentes
ficassem profundamente impressionadas. Mostra ainda que Ele conhecia a
inclinação humana para atenuar a antítese absoluta entre Salvação e perdição,
eterna e espiritualmente. A teoria da «segunda provação» é refutada pelas
passagens em que a morte é representada como sendo o momento decisivo pelo qual
o homem deve esperar e estar vigilante. Um dos versículos mais notáveis é
Hebreus 9:27: «Aos homens está ordenado
morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo». O fim desta vida e o
julgamento final são aqui postos em imediata conexão, como se não existisse um
estado intermediário. O Apóstolo Paulo diz em II Coríntios 5:10: «Porque todos devemos comparecer ante o tribunal
de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo,
ou bem, ou mal»; e em II Coríntios 6:2: «eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da Salvação».
Não existe um único versículo na Bíblia que dê um verdadeiro apoio à ideia da
«segunda provação». Pelo contrário o ensino constante é, antes, que o destino
do homem, para bem ou mal, se decide neste mundo; aquilo que formos na hora da
morte, sê-lo-emos eternamente. Uma vez passada a fronteira desta vida, não há
mais regresso, nem chamada. Um grande abismo, intransponível, separa os justos
dos ímpios, e o estado intermediário não tem qualquer valor para preparar para
o julgamento final. A teoria da «segunda provação» baseia-se na suposição de
que apenas a rejeição consciente e deliberada de Cristo e do Evangelho, nos
pode condenar. A incredulidade é, evidentemente, um grande pecado; não é,
porém, a única forma de revolta contra Deus, nem a única razão para condenação.
Estamos
perdidos em resultado da queda de Adão. Até sermos regenerados e convertidos,
somos vítimas, tanto do pecado original, como do pecado pessoal. O pecado
original é bastante, por si, para nos condenar, embora a sua penalidade não
seja tão severa, se se não acrescentasse a do pecado atual. Dr. Augustus H.
Strong, famoso teólogo batista, demonstrou isto claramente da seguinte maneira:
«A teoria da «segunda provação» é, em parte, uma consequência da negação da
doutrina ortodoxa e Paulina da unidade orgânica da raça, na primeira
transgressão de Adão. A teologia liberal tem-se inclinado para zombar da noção de
uma provação justa da humanidade, no nosso primeiro pai, e do pecado e culpa comuns
nele. Não pode achar aquilo que é considerado como sendo uma provação razoável para
cada indivíduo, desde esse primeiro pecado; e é fácil concluir que vai haver
semelhante provação no mundo futuro. Devemos, no entanto, aconselhar aqueles
que defendem este ponto de vista, a regressarem ao ensino da teologia tradicional.
Outorguemos uma provação razoável, mas já passada, à raça humana, e a condição
do homem deixa de ser a de um mero infeliz debaixo de uma injusta condição, para
ser antes a de um ser culpado e condenado, a quem a presente oportunidade, e
até a sua própria existência atual, é um caso de verdadeira graça — e muito
mais, na verdade, é a provisão geral da salvação e a sua oferta aos homens, uma
questão de graça pura. O mundo é já, um lugar de segunda provação; e visto que
esta segunda provação é simplesmente um ato de graça de Deus, não existe qualquer
necessidade de uma provação após a morte para vindicar a justiça ou a bondade
de Deus». Uma outra séria objecção à
teoria desta futura provação, é que deprecia a importância da vida presente e é
por assim dizer, extingue o zelo missionário. Se houvesse uma outra provação,
ou, talvez, uma série delas até sermos todos salvos, não teria a mínima importância
ficarmos justificados ou não perante Deus, nem tampouco levar a mensagem da salvação
àqueles que ainda não a ouviram. Se houvesse uma outra oportunidade, a necessidade
de nos arrependermos agora não seria tão urgente. O dever de evangelizarmos toda
a criatura, para que não pereça, tem sido o ponto de vista tradicionalmente cristão.
Se a doutrina da segunda provação fosse aceite unanimemente, faria descer o
nível moral do lar, e desencorajaria o movimento missionário.
Fonte:
Imortalidade - Loraine Boettner.
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