A proposta de Pedro de que fosse escolhido um décimo segundo apóstolo para substituir Judas (vs. 21-22) lança luz ao seu entendimento do apostolado, ao qual fizemos referência no capítulo anterior.
Em primeiro lugar, o ministério apostólico (v. 25, esse ministério e apostolado, tradução de diakonia e apostole) era ser "testemunha da sua ressurreição" (v. 22b). A ressurreição foi logo reconhecida como a prova divina da pessoa e da obra de Jesus Cristo, e Lucas descreve como "com grande poder os apóstolos davam o testemunho da ressurreição do Senhor Jesus" (At 4:33; cf. 13:30-31).
Em segundo lugar, para ser qualificado como apóstolo, portanto, era necessário ter presenciado a ressurreição da qual tinham sido chamados a testemunhar (e.g. 2:32; 3:15; 10:40-42). Era indispensável ter visto o Senhor ressurreto. Foi esse o fato que fez com que Paulo fosse acrescentado ao grupo apostólico. Mas para substituir Judas, tornando-se membro dos doze, cuja responsabilidade era preservar a verdadeira tradição sobre Jesus, eram necessárias ainda outras qualificações além dessas. É necessário, disse Pedro, que seja um dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor andou entre nós, começando no batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às alturas (vs. 21-22; cf. 10:39; 13:31). E por isso que eu não posso concordar com Campbell Morgan, que (seguindo outros) escreveu: "A eleição de Matias foi errada ... Ele era um homem bom, mas o homem errado para essa posição ... Não me disponho a omitir Paulo dos doze, pois creio que ele era o homem de Deus para preencher a vaga". Mas Lucas não oferece nenhum indício de que tenha havido um erro, apesar do fato óbvio de Paulo ter sido seu herói. Ademais, Paulo não possuía a plena qualificação que Pedro exigia.
Em terceiro lugar, a escolha apostólica deveria ser feita pelo próprio Senhor Jesus. Foi ele quem escolheu os doze originais. Assim, ele também deveria escolher o substituto de Judas. É verdade que a escolha seria feita pelos cento e vinte fiéis (v. 21), mas o que eles fizeram foi destacar os possíveis candidatos e, dentre eles, escolher dois: José (cujo outro nome era Barsabás em hebraico e Justo em latim) e Matias, sendo que acerca deles nada mais sabemos, embora Eusébio diga que ambos eram membros dos Setenta; então eles oraram a Jesus, o Senhor, chamando-o (literalmente) de "conhecedor do coração" de todos (kardiagnostes, palavra que Lucas usa mais tarde em relação a Deus) e pediram que ele lhes mostrasse qual dos dois havia escolhido (v. 24). E os lançaram em sortes (v. 26), um método para descobrir a vontade de Deus, usado no Antigo Testamento, mas que não parece ter sido usado após a vinda do Espírito. Matias foi escolhido; sendo-lhe então votado lugar com os onze apóstolos.
E muito instrutivo notarmos o conjunto de fatores que propiciaram a descoberta da vontade de Deus quanto a essa questão. Primeiro vieram as orientações gerais das Escrituras, indicando que deveria haver uma substituição (vs. 16-21). Depois, eles usaram de bom senso: se o substituto de Judas deveria ter o mesmo ministério apostólico, ele deveria também ter as mesmas qualificações, incluindo a experiência de ser uma testemunha ocular de Jesus e ser escolhido pessoalmente pelo Mestre. Esse raciocínio dedutivo e saudável levou à indicação de José e Matias. Em terceiro lugar, eles oraram, pois, apesar de Jesus ter ido embora, ainda havia um acesso a ele através da oração e sabia-se que ele possuía o conhecimento do coração de todos, coisa de que careciam. Finalmente, eles lançaram a sorte através da qual criam que Jesus manifestaria sua vontade e escolha. Deixando de lado este quarto fator, pois agora o Espírito já nos foi dado, os outros três (as Escrituras, o bom senso e a oração) constituem uma combinação completa, confiável, pelo qual Deus nos guia hoje.
Fonte: A Mensagem de Atos – John Stott
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