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O Ministério da Pregação e o Plágio.

Entre os antigos romanos o plagiador era tido na conta de raptor, ou sequestrador daquele que raptava homens livres, para fazer deles escravos seus, e também daquele que roubava ou induzia o escravo de outrem a fugir, para depois vendê-lo, ou usá-lo como seu. Parece que este segundo significado é o que deu origem ao uso literário do vocábulo. Um antigo escritor romano, posteriormente, por analogia natural, aplicou esse odioso nome a uma pessoa acusada de roubo literário, por haver ela furtado e usado às ideias de outrem. Assim, as línguas derivadas do latim conservaram esse vocábulo com a dita significação. O plágio desde os tempos primitivos foi sempre condenado e satirizado, e ninguém o defendia, pois que seria o mesmo que defender um ladrão. Mas, que é plágio? Que é legítimo e defensável empréstimo? Alguns praticam o primeiro como se fosse o segundo, e outros, com um medo mórbido daquilo que é vergonhoso, fogem do que é inocente e útil. Há duas questões a serem consideradas: o uso apropriado dos pensamentos alheios, e o próprio reconhecimento de tal uso.

(1) No preparo do sermão, como poderemos usar apropriadamente ideias derivadas de outros? A questão em princípio é a mesma, no que respeita àquilo que temos lido e àquilo que temos ouvido; todavia, muitas pessoas que se mostram mui rigorosas quanto aos frutos da leitura usam com grande liberdade o que ouviram do púlpito, na sala de preleções, ou em conversa.

(a) Nunca se aproprie dum sermão inteiro, com notificação ou sem ela. Pode ser legítimo, em circunstâncias especiais, ler para o auditório um sermão escolhido, declaradamente como leitura; como um exercício ocasional, por um bom ledor, e com uma congregação que achar que isso é bom. Mas pregar como sermão um discurso que sabemos ser emprestado, ou copiado de outro, é coisa indefensável e indesejável, e que só mui raro se pode fazer. Essa prática, na realidade, de alguns pregadores, é coisa muito ruim. Não se inclinam a reconhecer o que estão fazendo, mas se inclinam a fazer tal coisa. É de admirar como esses que fazem praça de muito distintos, no entanto, se apropriam do que é de outros, cometendo assim grave erro condenado já pelo triste castigo de precisar esconder o que estão fazendo. Tal costume, da parte de indivíduos que se dizem cristãos, nunca teria nascido, senão em conexão com ideias radicalmente erradas quanto à verdadeira natureza da prédica.

(b) Nunca se aproprie, sem notificação, do esboço completo dum discurso. Muitas pessoas em nossa terra parecem julgar essa prática muito legítima. Temos ouvido histórias muito engraçadas de sermões que obedecem às mesmas linhas de pensamento dum outro pregado mui recentemente no mesmo lugar; e acontece, não poucas vezes, que o autor legítimo do esboço é quem fica no pior, e leva a fama de plagiador! Mas, a verdade é que nos censuramos a nós mesmos, divertindo-nos com tais histórias, porque elas apresentam um aspecto muito grave e humilhante. Será que o mal do roubo está em o ladrão ser apanhado com a mão na botija, ou em flagrante, como os espartanos ensinavam a seus filhos? No desempenho de seus deveres tão solenes, fará o ministro cristão deliberadamente uma coisa que depois terá vergonha de confessar? Se alguém o desejar, que experimente dizer que o esboço do seu sermão tem esta ou aquela origem, que foi tirado deste ou daquele pregador, e veja quanto diminuirá, a não ser em casos muito especiais, o interesse de seus ouvintes. O povo não vem somente para ouvir um discurso — vem, sim, para ouvir um homem vivo, que lhes comunique o seu escaldante pensamento e o seu profundo sentimento. Se as ideias principais do seu sermão são de outrem, o povo as recebe como se estivesse ouvindo um homem ausente ou falecido. Agora, se é má política proclamar o empréstimo, como poderá ficar isso sinceramente escondido? A força do hábito, mais a conhecida prática de alguns, homens bons, as seduções da indolência, e ainda o demasiado serviço a que os ministros estão continuamente sujeitos, têm operado em muitas mentes uma certa confusão de ideias sobre este assunto, confusão que constitui a única explicação de casos tão frequentes de apropriação não confessada.

Os livros de “Esboços e Esquemas”, a miúdo publicados e adquiridos, quando não usados sábia e honestamente, são um grande mal e mesmo uma calamidade para o ministério evangélico. É mesmo questão aberta se tais livros podem ser usados honesta e sabiamente. Sim, porque é mui provável constituírem eles uma armadilha mesmo para aqueles que querem ser honestos, e certamente são uma tentação para todos quantos os usam, uma vez que passam a depender quase que inteiramente das sugestões de outros do que do seu próprio pensamento. Se se disser que podem ser profundamente estudados como amostras de sermões, podemos responder que melhor e mais proveitoso será então analisar por nós mesmos sermões completos de grandes e notáveis pregadores. Não há razão para tais livros, e nenhum ministro deve tolerar sequer um deles em sua biblioteca. Não obstante, isso é muito comum.

(c) Mas... podemos tomar emprestado? Certamente que sim; algumas vezes devemos fazê-lo. Há nisso dois extremos a evitar. De um lado, o desejo errado de originalidade e de independência leva bons pregadores a se absterem de ler qualquer coisa sobre o texto ou sobre o assunto. Tais homens se enganam a si mesmos, porque muitos pensamentos que as suas mentes agora lhes fornecem se derivam de leituras ou de coisas que ouviram. Na verdade, esses são bem mais provavelmente dirigidos e assimilados do que aquilo que ele venha a ler ao tempo da preparação do discurso em foco. Essa diferença, todavia, não prevalece, porque muitos pensamentos ficam por muito tempo retidos na memória num estado perfeitamente cru, e o que resulta da leitura feita nesses dias pode não ser usado, a não ser depois de trabalhado por nossa mente. Além desse engano, ele se priva ainda daquilo que lhe poderia ser proveitoso na meditação dos vários aspectos do assunto e na apresentação de maneira mais eficiente. O segundo extremo é o de ler ao invés de meditar, o de abarrotar a mente com uma mixórdia de pensamentos alheios, e construir seu discurso com tudo isso. Este sistema de preparação de sermão, embora muito adotado, é condenável. Mas, poderemos acaso evitar este último extremo, unicamente adotando o primeiro?

Existe, por certo, o meio termo. Devemos pensar e ler. No que respeita a muitos textos e assuntos, pense-se e trabalhe-se longamente, antes de se ler qualquer coisa (a não ser ler comentários, para acertar o sentido do texto). Escrevamos num papel algumas afirmativas dos pensamentos principais, e façamos o plano, ou esboço, do discurso. Depois, leiamos algo que trate do assunto, o tempo que pudermos e aproveitando as ocasiões que tivermos. Lendo, devemos fazê-lo pensando, não só pesando bem o que dizem outros sobre o assunto, mas seguindo quaisquer linhas de pensamento que possam sugerir ao nosso espírito. Nos assuntos sobre que tivemos poucas informações, bem era lermos bastante antes de construirmos o plano do sermão. Nunca devemos resolver pregar sobre um assunto sem que tenhamos obtido dele um conhecimento geral. Se achamos uma ideia que parece aproveitável, ou lembramos de uma que pode ser facilmente incluída no plano do discurso e que tornará o sermão mais instrutivo, mais interessante, ou mais eficiente, por que razão não havemos de usá-la, declarando sinceramente de onde a tiramos? A questão, então, se resume nisto: Para o meu melhoramento geral como pregador e para tornar mais eficiente este sermão, o que será melhor — usar esta ideia, ou omiti-la?

Tudo quanto for assim tomado emprestado deve ser completamente compreendido, e fará parte de nosso pensamento, e naturalmente será também uma parte do discurso. Este é uma estrutura, e materiais estranhos que a ele não se adaptam, nem se ajustam a seus objetivos, muito embora sejam materiais admiráveis e belos em si, prejudicam e estragam o conjunto, como acontece com os aleijões arquitetônicos acrescentados a um vistoso palacete e com peças a mais num motor.

(2) Em que casos, e de que maneira anunciaremos as ideias que tomamos emprestadas? Quando a ideia é conhecida ou pertence ao estoque comum dos conceitos religiosos, de modo que mui naturalmente nos teria ocorrido, conquanto pareça ter sido tirada de outrem, nem sempre é preciso confessá-la. Agora, tratando-se duma ideia totalmente notável, tão notável que os ouvintes darão ao pregador um crédito especial por ser algo extraordinário, não deve ele chamar para si esse mérito que não é seu, e deve, então, de certo modo indicar que tal ideia ele a tirou de outrem.

Em que casos, então, devemos mencionar exatamente a fonte? Quando o nome do autor der grande peso à ideia, ou de certo modo atrair o interesse para ele: por exemplo, Bacon,BunyanWhitefieldSpurgeon. Também quando esperamos que, citando o nome do autor, se leve algum ouvinte a ler o livro mencionado. Como regra geral, quando a indicação da fonte fizer algum bem. O pregador deve pronunciar corretamente o nome do autor. Do contrário, será melhor omiti-lo. Na literatura religiosa aparecem muitos nomes franceses e germânicos, e muitos ouvintes têm, não raro, regular conhecimento desses idiomas; se o pregador pronunciar mal um nome francês, ou alemão, péssimo será o efeito.

Outrossim, basta simplesmente indicar que este ou aquele pensamento foi tirado de alguma fonte. Deve-se evitar, por outro lado, uma exibição de honestidade, cansando os ouvintes com interminável citação de fontes. Evite-se igualmente toda e qualquer ostentação de vasta leitura. A indicação da fonte deve interromper ao mínimo a linha do sermão — desvie-se o menos possível o interesse da ideia central. Se isso interromper ou desviar do assunto, então é melhor não indicar a fonte e nem citar o que é de outrem. Em regra, o sistema de indicar a fonte exige juízo e bom gosto. Sem formalidade, ou frases industriadas, e com graciosa simplicidade, apresente e indique a fonte, ou mesmo simplesmente afirme que a ideia foi tirada de outra pessoa.

É mui importante, nesse assunto de empréstimo de ideias, o pregador se cingir de princípios justos e certos, firmados desde bem cedo na vida, criando assim bons hábitos desde o princípio. Do contrário, seguirá costume bem mau em sua vida, com péssimos resultados para o seu caráter e influência; e, quando chegar a ver as coisas claramente, terá fortes motivos para se arrepender do que fez no passado. Ótima regra é nunca usar a contribuição de outrem de modo que o ponha em embaraços para confessar isso em público, ou que o deixe embaraçado se o dono da ideia estiver no auditório. O professor Phelps diz:

“O jovem terá adquirido um dos primeiros elementos do saber, quando estiver compenetrado do valor da naturalidade no trato das coisas literárias. Nunca faça ursadas, e jamais se permita a esconder que copiou coisas de outras pessoas. Seja sempre sincero e honesto em seus hábitos, secretos quanto às coisas literárias. Guarde-se, hoje e sempre, de plagiar. Mesmo o plágio e mesmo a imitação inconsciente não se justificam perante os direitos dos outros. Deve-se tomar todo o cuidado nestes respeitos, e, se você citar em seu sermão alguma sentença alheia indique-a com as sinais de citação, como o faria num sermão escrito, aspando-a.Existe, sim, uma virtude chamada integridade intelectual. Tal virtude vale mais que grande cópia de rubis.”

 

Fonte: O Preparo e a Entrega de Sermões - John A. Broadus.

 

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