Páginas

Falar em Línguas.

Trata-se de um fenômeno historicamente inegável que as comunidades cristãs surgiram acompanhadas do falar em línguas, como At 2 já informa. Também é difícil negar que movimentos de avivamento no cristianismo foram e ainda são acompanhados desses fenômenos. Finalmente, sem dúvida o movimento pentecostal é hoje a Igreja cristã que cresce mais rapidamente, sobretudo em países do terceiro mundo. Pessoalmente, não tenho experiência própria, porém presenciei o falar em línguas em comunidades carismáticas dos Estados Unidos, da África e da Suécia. Portanto, posso opinar apenas como ouvinte. Considero o falar em línguas uma ação tão intensa do Espírito no íntimo da pessoa que a expressão se desprende da linguagem inteligível e desata em gemidos, gritos e fala ininteligível, assim como uma dor intensa se expressa num choro incontido ou a alegria desmedida em risos, saltos e danças. Nossos cultos nas Igrejas territoriais alemãs são ricos em pensamentos nos sermões e em maravilhosos corais, mas pobres em formas pessoais de expressão, e sem qualquer possibilidade de manifestações espontâneas. São reuniões disciplinadoras para o falar e o ouvir. Por isso exerce uma influência libertadora sobre nós perceber nos cultos carismáticos de negros nos Estados Unidos e na África uma linguagem corporal muito diferente de nosso costume de sentar quietos e postar as mãos. Entendo o falar em línguas como o começo, por meio do qual uma experiência forte do Espírito solta a língua de pessoas mudas e elas podem expressar o que as move tanto. Isso tem grande importância primeiramente para os envolvidos, e depois para a comunidade toda: são expressões da experiência pessoal do Espírito e enleva os envolvidos. E são novas expressões de experiências do Espírito. Sempre devemos ter claro para nós que não existe uma experiência real sem sua correspondente expressão. Que formas de expressão de cunho verbal ou não-verbal temos, afinal, para expressar experiências do Espírito e emoções de nosso íntimo? Ninguém é capaz de “traduzir” o falar em línguas, mas é possível interpretá-lo. Mesmo isso é um dom e uma arte, que podem ser constatados em Igrejas carismáticas.
Hoje a experiência carismática parece-me ser o despertar de uma fé pessoal e expressa de maneira autônoma. O fato de que a comunidade entre nós que ouve sermões tem tão poucas capacidades de dar um testemunho pessoal paralisa a existência cristã, tornando-a muda em outras esferas da vida e nos encontros com pessoas de outras religiões. Muitos cristãos consideram suficiente pertencer a uma igreja, às vezes “ir à igreja” e estar de acordo com as grandes linhas de sua doutrina, ainda que não a conheçam muito hem e ela não lhes diga muita coisa. A experiência carismática começa em nós com uma nova autoconfiança: “Nós somos a Igreja”. Antes que as Igrejas territoriais, os bispos e sínodos tentem abafar o Espírito do “movimento carismático”, a que estão pouco afeitos, deveriam conceder ao Espírito de Deus a liberdade de despertar pessoas e avivar comunidades e buscar outras formas de expressão além das liturgias tradicionais. Quando nossos corpos se tornam “templo do Espírito Santo” (2Co 6.19), desenvolve-se uma nova linguagem corporal que nos coloca em movimento.
Contudo, uma pergunta crítica dirige-se à negligência diante de certos carismas no atual “movimento carismático”: onde estão os carismáticos no cotidiano do mundo, na política, no movimento pacifista e no movimento ecológico? Por que não protestaram conosco contra os mísseis atômicos? Considerando que as forças do divino Espírito não são concedidas para fugir dos conflitos desse mundo real para um mundo religioso ilusório, mas sim para testemunhar no meio dos conflitos o senhorio libertador de Cristo, então o “movimento carismático” não deve tornar-se uma religião privada, alheia à política. O critério da vida no Espírito Santo é e continua a ser o seguimento de Jesus.

Fonte: A Fonte da Vida - Jürgen Moltmann.

Nenhum comentário:

Postar um comentário