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A Doutrina da Trindade.



Não vamos reformular a doutrina da Trindade para melhorar a que há muito tempo foi dada por Tertuliano. Foi ele quem criou os conceitos teológicos para o pensamento ocidental, cunhou o termo trindade e a definiu como “uma substância em três pessoas”. Vamos mencionar uma série de proposições que, como disse Berkhof, “juntas constituem um epítome da fé da igreja em relação a este ponto”.

Uma só essência

Há no Ser Divino uma só essência indivisível. A diferença entre o que estamos dizendo aqui e a fórmula de Tertuliano é que nela a palavra é substância e aqui essência. Mas, diz Berkhof, a diferença entre estes dois termos é muito pequena. Essência designaria o ser de Deus, imutável, como entendiam os gregos a definição das coisas; substância, por sua vez, seria o permanente que fundamenta as mudanças das coisas. Berkhof cita o conceito de Shedd sobre estas diferenças, o que torna claro o que dissemos antes: “O termo essência descreve Deus como uma soma total de infinitas perfeições; o termo substância o descreve como o fundamento de infinitas atividades”. O termo essência, segundo estas últimas palavras, aponta para um conceito passivo de Deus, o que Deus é; o termo substância, para um conceito ativo de Deus, o que Deus pode fazer. Curiosamente, estas diferenças são as que existem entre o conceito grego de Deus e o conceito da revelação bíblica. A proposição relativa à unidade de Deus apoia-se em passagens tais como Deuteronômio 6.9 e Tiago 2.19. A estes versículos acrescenta Berkhof o fato da “asseidade” de Deus (a razão de ser de Deus está nele mesmo) e o fato de que ele se identifica com suas perfeições. Isto é, Deus não é primeiramente Deus, para então ter as perfeições, e sim: as perfeições são precisamente Deus. Vemos isto num texto muito conhecido: “Deus é amor” (1Jo 4.16). Diz o texto: o homem tem amor e pode deixar de tê-lo sem deixar de ser homem; Deus é amor e não pode deixar de amar porque deixaria de ser Deus. O importante é que estes conceitos se aplicam à divindade plena, indivisivelmente.

Três pessoas

Em Deus há três pessoas ou subsistências individuais: Pai, Filho e Espírito Santo. Aqui devemos esclarecer as palavras pessoa e subsistência. Pessoa, na linguagem comum e diária, indica um indivíduo racional e moral com consciência de ser tal indivíduo, distinto de outros. Ao nos referirmos a Deus como pessoa, não afirmamos que nele haja “três indivíduos”, um junto do outro e separado do outro, mas somente distinções pessoais de um mesmo, dentro da essência divina, que é genérica e numericamente uma só. Ser um genericamente é o que acontece com o homem. João, Paulo e Pedro pertencem ao mesmo gênero, os três pertencem ao “gênero” humano, mas são três indivíduos distintos. Digamos isto de outra maneira. Entre as pessoas da Trindade há relações eu-tu-ele, sem deixar de ser Deus uma mesma realidade. Berkhof cita os seguintes textos: Mateus 3.16; 4.1; João 1.18; 3.16; 5.20-22; 14.26; 15.26; 16.13-15, aos quais devem ser acrescentados outros semelhantes, tais como Gálatas 4.4 e Efésios 5.20. A essência de Deus, plena, não fragmentada, pertence por igual a cada uma das três pessoas. “Isto significa que a essência divina não está dividida entre as três pessoas, e sim que está plenamente, com todas as suas perfeições, em cada uma das pessoas (...).” Por conseguinte, não pode haver subordinação no que respeita ao ser de uma pessoa da Trindade a outra. O Filho é, digamos, tão Deus como o Pai; e o Espírito Santo é tão Deus como o Filho e o Pai. Podemos conhecer Deus plenamente quando reunimos em um conceito as perfeições de todas as pessoas da Trindade.

Com a palavra subsistência se quer evitar o termo existência, que indicaria naturezas separadas nas pessoas da Trindade. Três “existências” seria a mesma coisa que dizer três indivíduos distintos; três “subsistências” porém, indicam a relação íntima entre as pessoas da Trindade. Não três “existências”, mas sim três “subsistências”, é uma aproximação do que são o Pai, o Filho e o Espírito Santo dentro de sua unidade. A subsistência e a operação das três pessoas do Ser divino estão marcadas por uma ordem segura e definida. A ordem é: primeiro, o Pai; segundo, o Filho; terceiro, o Espírito Santo. Mas esta ordem não significa que haja alguma prioridade de tempo ou de dignidade de essência entre as três pessoas. Como disse Berkhof: “O Pai não é gerado nem procede de nenhuma das outra pessoas; o Filho é eternamente gerado pelo Pai, e o Espírito procede do Pai e do Filho desde a eternidade. Geração e prossecução têm lugar no Ser divino e implicam certa subordinação como o modo de subsistência pessoal; mas não é nenhuma subordinação relacionada com a possessão da essência divina”. Há certos atributos pessoais por meio dos quais se distinguem as três pessoas. Quando dizemos, por exemplo, Espírito Santo, estamos mencionando um atributo pessoal do Espírito que o distingue das demais pessoas, mas que não é exclusivo dele. O Pai e o Filho são tão “santos” como o Espírito, embora este epíteto seja primordialmente aplicado a ele (cf. Lc 1.35; 4.34; At 2.27; 3.14; 4.27; 13.35; 1Pe 1.15,16). Esses atributos também se expressam em operações pessoais que, como opera ad extra, pertencem à divindade como um todo, mas que se atribuem a distintas pessoas da Trindade. “Embora todas sejam obras das três pessoas em conjunto, a criação se atribui principalmente ao Pai, a redenção ao Filho e a santificação ao Espírito Santo.” Esses atributos e as operações que se distinguem na Trindade são aspectos pluralistas que não devem afirmar-se com menosprezo da unidade essencial que distingue o conceito de Deus nas Escrituras.

Mistério

A Trindade é um mistério que sobrepuja a compreensão do homem. “Mistério”, segundo esclarece Berkhof, não no sentido bíblico de uma verdade que antes estivera escondida e que agora é revelada, mas no sentido de que o homem não pode compreendê-la totalmente ou fazê-la inteligível. “É inteligível em algumas de suas relações e modos de manifestação; mas ininteligível em sua natureza essencial.” A discussão resumida que apresentamos deste assunto complexo dá razão ao teólogo. Felizmente, não depende de nossa exaustiva compreensão deste assunto tão complicado o fato de que possamos orar: “Pai nosso que estás nos céus” (Mt 6.9) ou que amemos “sem tê-lo visto” (lPe 1.8) a quem “pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus” (Hb 9.14).

Fonte: Elementos de Teologia Cristã - Floreal Ureta.

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