1. As “processões” e as “missões”. Há
dois tipos de relação entre as Pessoas divinas: interiores e exteriores.
Podemos considerar as Pessoas divinas dentro da própria substância única de
Deus e ver como é que elas se relacionam. E também podemos considerar as
Pessoas divinas enviadas aos homens, pois cada qual se relaciona de modo
diferente com os homens. As “processões”
são as relações entre as Pessoas divinas dentro de Deus. As “missões” são as relações das Pessoas divinas
com a libertação do povo de Deus. Há duas missões: a missão do Filho e a missão
do Espírito Santo. O Filho é enviado só pelo Pai e envia o Espírito juntamente com
o Pai. Essa é a missão do Filho. O Espírito Santo é enviado pelo Pai e o Filho:
essa é a missão do Espírito Santo. O Pai não é enviado por ninguém, mas envia o
Filho e o Espírito Santo. O Filho é enviado para se encarnar, tornando-se homem
na humanidade de Jesus de Nazaré. O Espírito Santo não é enviado para se
encarnar em indivíduo algum, mas para habitar em cada um dos chamados pelo Pai,
a fim de ser a força interna que os move e orienta, iluminando-os. As missões
do Filho e do Espírito Santo são dadas a conhecer pelos evangelhos e por toda a
Bíblia. Pode-se dizer até que essas missões constituem o próprio objeto da
Bíblia. Das “processões” nada sabemos diretamente, pois não podemos conhecer
como é o interior de Deus. Nós conhecemos somente as relações entre o Pai, o
Filho e o Espírito Santo dentro das substância divina, pelos nomes que Jesus lhes
deu. E nada mais. Todo o nosso conhecimento parte dos nomes das Pessoas. O que
significa a palavra “processão”? Significa “vinda”. Aquele que procede de um
lugar é quem vem desse lugar. O Filho vem do Pai e o Espírito Santo vem do Pai
e do Filho. O Pai não procede de ninguém. O Filho procede do Pai e o Espírito
procede do Pai e do Filho. Na realidade, a palavra “processão” não é adequada, bem
como a palavra “vinda”. Em Deus, o Filho não vem nem procede do Pai em sentido
estrito. Ele não sai do Pai. O que se quer dizer é que ele é Filho do Pai,
diferente do Pai como um filho é diferente do seu pai. Mas é igual quanto ao
Espírito Santo. No entanto, a palavra “proceder” é tradicional, sendo usada nos
símbolos da fé para designar a distinção entre as Pessoas.
2. A processão do Filho ou a relação
entre o Filho e o Pai. Nós só conhecemos a relação entre o Pai
e o Filho por seus nomes. Na Bíblia, Jesus se dá o nome de “Palavra” ou de
“Filho” e fala do “Pai”. Nada mais sabemos. Por isso, dizemos que a relação
entre o Pai e o Filho é uma relação de “geração”. O Pai “gera” o Filho e o
Filho é “gerado” ou “nascido” do Pai, como dizem os símbolos da fé. Naturalmente,
há diferenças radicais entre o nascimento do Filho como Filho de Deus e o
nascimento de um homem. Em primeiro lugar, um filho de homem nasce com uma substância
diferente da de seu pai ou mãe. O Filho de Deus é da mesma substância do Pai. O
filho do homem sai de seu pai. Mas o Filho de Deus não sai de seu Pai. Em
segundo lugar, o filho do homem nasce em um momento determinado, não existindo
antes. O seu nascimento representa um começo de existência. Mas o nascimento do
Filho de Deus não é um momento nem um começo. O Filho é Filho desde sempre. Ser
Pai e ser Filho não reflete um momento, o momento da geração, mas somente uma
atitude recíproca, um modo de ser. O Pai é o que dá, o Filho é o que recebe e
devolve. Quanto ao conteúdo da relação de paternidade ou filiação em Deus, só
podemos conhecê-lo por comparação com a missão de Jesus. A missão de Jesus na
terra só pode ser uma espécie de tradução ou projeção de sua relação eterna com
seu Pai. O que Jesus mostra de sua obediência ao Pai na terra é uma imagem de
sua relação eterna com o Pai em Deus. Por comparação, nós podemos conhecer algo
da relação entre o Pai e o Filho em Deus através daquilo que se manifesta
quando Jesus se faz homem e mostra em atos humanos o seu comportamento para com
seu Pai.
3. A processão do Espírito Santo. O
nome de “Espírito” não sugere nenhuma relação conhecida entre nós. Não temos
nada parecido. Nunca ocorre entre nós que um Espírito venha ou saia de algo. Se
o Espírito procede do Pai e do Filho, que nome devemos dar a essa relação? Não
há nenhum. Alguns teólogos deram a essa relação o nome de “espiração”, mas
trata-se de uma palavra inventada, que não designa nenhuma relação conhecida. É
uma simples palavra para expressar a relação existente entre o Espírito, por um
lado, o Pai e o Filho, por outro. Somente sabemos, da relação entre o Espírito
Santo e as outras pessoas, o que nos é dito de sua missão no Novo Testamento e
na Bíblia em geral: o Pai envia (Jo 14,16.26; 15,26); O Filho também envia o
Espírito Santo (Jo 15,26; 16,7.14).
4. O específico das Pessoas divinas As
Pessoas têm tudo em comum, salvo o que as caracteriza como Pessoas. O Pai tem
como dado específico o dom de si ao Filho e ao Espírito Santo. O Filho tem a
especificidade de receber a divindade do Pai e dá-la ao Espírito com o Pai. O
Espírito tem a especificidade de receber a divindade do Pai e do Filho. Assim,
o Pai não é algo diferente: é o dom ao Filho. O Filho é o dom ao Pai. E assim
por diante. Cada Pessoa existe para as outras e não para si mesma. Ser Pessoa é
ser para outra Pessoa, totalmente entregue a outra Pessoa. Fórmulas um tanto
complicadas dizer que as Pessoas divinas são puras “relações”, isto é, nada
possuem que lhes seja próprio. Tudo o que são como coisa própria é a sua
relação com as outras Pessoas. Podemos ver algo disso nas missões divinas:
Jesus diz que nada faz e nada tem na vida que não seja fazer a vontade do Pai.
Ele não busca nada para si mesmo, mas tudo busca para o Pai: vive do Pai e para
o Pai (Jo 5,19-20.30). Do mesmo modo, o Espírito Santo nada faz que não seja
servir ao Filho, ensinar o que vem do Filho. Não busca nada de próprio,
dedicando-se totalmente a Jesus Cristo e formando seu corpo entre os homens (Jo
16,13). As pessoas humanas são pessoas na medida de sua imitação das Pessoas
divinas, isto é, na medida em que vivem por outras pessoas e para outras
pessoas, desinteressando-se de si mesmas para servir aos outros. A Pessoa
divina nada mais é do que o serviço e o amor aos outros.
Fonte: Breve Curso de
Teologia – 1 - José Comblin.
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