1. Depois de muitos debates, os
concílios ecumênicos adotaram palavras para representar o que é três e o que é um em Deus: há três “pessoas” (em grego, hipóstasis) e uma “natureza” ou “substância” (em grego, ousía). A
pessoa é como o sujeito, o “eu”, aquele que atua. A substância ou natureza é
como o conjunto de forças com as quais o sujeito atua. Há uma natureza humana,
uma natureza das plantas e uma natureza divina, que é todo o conjunto dos
poderes de Deus e todo o seu ser. Nas coisas que conhecemos, a cada pessoa ou
sujeito corresponde uma natureza. Nunca vimos vários sujeitos compartilhando uma
só natureza ou substância. Assim nunca poderíamos encontrar no mundo uma forma
de união entre três pessoas que fosse tão estreita que as três tenham uma só
substância. Seria como se três pessoas humanas estivessem em um só corpo e uma
só alma, sendo no entanto três pessoas diferentes. Não existe qualquer experiência
de algo semelhante. Mas cremos nisso em relação a Deus porque as palavras de
Jesus nos ensinam que existem três pessoas diferentes como Pessoas e que essas
três pessoas formam um único Deus e não três deuses diferentes.
2. Há três pessoas diferentes em Deus. Não
há três deuses, mas três Pessoas. Jesus, por exemplo, fala a seu Pai: ele não
poderia falar consigo mesmo. Quando Jesus fala de seu Pai, não fala de alguém
que não existe, que teria sido inventado por ele. Quando fala a seu Pai, fala
como a uma Pessoa. Da mesma forma, quando fala do Espírito, Jesus fala como se
o Espírito fosse uma outra Pessoa, semelhante a ele. E diz que o Espírito o substituirá,
sendo como outro ele próprio. As três Pessoas são iguais: todas são Deus e têm
a natureza divina. Não há uma que seja inferior à outra quanto à sua natureza
divina. Todas são igualmente divinas. Desde o começo, as expressões cristãs da
fé e da oração manifestam a igualdade das Pessoas. Apesar de alguns
intelectuais terem imaginado teorias explicando que o Filho era inferior ao Pai
e o Espírito Santo inferior ao Filho, a fé cristã se manteve, sendo definida
pelos concílios ecumênicos, sobretudo o de Nicéia (325) e o I Concílio de
Constantinopla (381):
“Cremos
em um só Deus Pai onipotente (. . .) e em um só Senhor Jesus Cristo Filho de
Deus (. . .) Deus de Deus (. . .) consubstancial ao Pai (. . .) e no Espírito Santo,
que, com o Pai e o Filho, deve ser adorado e glorificado”.
Contra
todas as invenções e falsas razões, os cristãos sempre disseram: como é que o
Filho poderia fazer-nos filhos de Deus se fosse inferior a Deus? Da mesma
forma, como é que ele poderia nos abrir o acesso a Deus se ele próprio não
fosse igual ao Pai? E como é que o Espírito Santo poderia nos unir ao Filho de
Deus se não fosse igual ao Filho? Como poderia ele nos santificar se ele
próprio não fosse Santo como Deus?
3. As três Pessoas divinas formam um só
Deus: “Cremos em um só Deus”, não em três deuses separados. A
unidade se expressa na afirmação de que eles têm uma só natureza ou substância
(assim como os homens têm uma alma ou um corpo). O Pai está no Filho e o Filho
está no Pai. Tudo o que um tem os outros também têm. Os antigos diziam que o
Pai dá tudo o que tem ao filho e também ao Espírito. Mas estes lhe devolvem a
natureza que o Pai lhes dá. E assim se estabelece um círculo de dons no qual
cada Pessoa mantém sua identidade sem guardar nada para si mesma. Referências:
Jo 10,37;14,7.9.10.11.20;17,21; Jo 14,26;l6,13.15.
4. Comparação de santo Agostinho. Para
explicar como as três Pessoas estão unidas em uma só substância, santo Agostinho
usa a comparação da vida, da inteligência e do amor do homem. Para pensar,
precisamos formar um discurso, usar palavras. Antes mesmo de pronunciar nossos
pensamentos, precisamos dizer nosso pensamento a nós mesmos. Para pensar,
alguém diz-se a si mesmo o seu pensamento. E assim formamos palavras
interiores. Ora, em são João, Cristo é chamado “a Palavra”, Isso não será um sinal
de que em Deus as coisas são iguais e que, ao pensar Deus também se diz uma Palavra?
A diferença estaria em que nossas palavras são fracas, apagam-se rapidamente,
são muitas, é preciso repeti-las sempre de novo, ao passo que em Deus o
pensamento deve ser de tal modo perfeito que Deus se pensa perfeitamente em um
só momento e se diz uma só palavra, que é perfeita e igual a ele mesmo. O Filho
seria essa Palavra resultante do pensamento do Pai. E sua Palavra seria uma
Pessoa igual a si mesmo. Ora, se
Deus pensa, também ama, pois nós, que somos imagens de Deus, pensamos e amamos.
Da mesma forma como o Filho é resultado do pensamento do Pai, o Espírito Santo seria
resultado do amor. O Pai forma em si mesmo um amor igual a si próprio e tão
perfeito quanto ele mesmo, formando assim o Espírito. Essa comparação de santo Agostinho apresenta grandes dificuldades.
Uma é que pretende explicar algo que é inexplicável. Outra é que não fica muito
clara a distinção entre as Pessoas, pois em nós não há distinção entre nós
mesmos, nossa substância e nosso pensamento ou nosso amor.
5. O uno, o comum e o diferente. O IV
Concilio de Latrão (o décimo segundo concilio ecumênico) proclamou: “Um só é o
verdadeiro Deus, eterno, imenso e imutável, incompreensível, onipotente e
inefável. Pai, Filho e Espírito Santo: certamente três Pessoas, mas uma só essência,
substância ou natureza absolutamente simples (. . .) um só princípio de todas
as coisas” (Denz. 800 — 428). O Concilio de Florença (1438-1445 — o
décimo sétimo concilio ecumênico) proclamou: “Essas três Pessoas são um só Deus
e não três deuses, porque as três têm uma só substância, uma só essência, uma
só natureza, uma só divindade, uma só imensidade, uma só eternidade, e tudo
isso é uno, não obstante a oposição de relações” (Denz. 1330 — 703). A diferença está apenas na oposição de relações.
Veremos depois o que isso significa. Seja como for, tudo o que Deus faz em
relação ao seu exterior é comum às três Pessoas: a criação e o governo do mundo
são exercidos em conjunto pelas três Pessoas, por sua natureza única.
Fonte: Breve Curso de
Teologia – 1 - José Comblin.
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