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O Deus Triúno.



O Credo Apostólico e o Credo Niceno são divididos em três parágrafos que falam das três Pessoas da Trindade. Sem dúvida, a Trindade é o maior mistério da fé cristã. O termo em si é uma combinação do prefixo “tri” com a palavra “unidade”, e se refere ao fato de que Deus é tanto três quanto um: “Na unidade dessa Divindade há três Pessoas, uma só em substância, poder e eternidade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo”. Certos pensadores ficam tão perplexos diante desse conceito que chegam ao ridículo. Thomas Jefferson, por exemplo, o gênio excêntrico que foi o terceiro presidente dos Estados Unidos, tentou reconstruir o cristianismo sem dogmas. Ele ansiava pelo dia, escreveu, em que “nos livraremos do jargão incompreensível da aritmética da Trindade, segundo o qual três são um, e um é três”. Uma das memórias mais vividas e constrangedoras que eu tenho dos meus tempos de escola é a de uma conversa que tive com um pastor que nos visitava. Eu tinha cerca de quinze anos.

Com a segurança imbatível característica de um adolescente, eu lhe disse: “Ninguém mais acredita na Trindade hoje em dia!” Mal acabara de dizer isso, e já me envergonhei de tê-lo feito. O fato é que eu nunca havia refletido sobre a questão da Trindade. Diante da impossibilidade de entendê-la, apressei-me a concluir que era uma superstição antiquada e burra que as pessoas inteligentes haviam descartado há muito tempo. E, talvez por ironia da providência divina, quando saí daquela escola fui justamente para a faculdade da Universidade de Cambridge que é dedicada à Santa Trindade! É verdade que a palavra “Trindade” não aparece na Bíblia e que essa doutrina não foi claramente formulada pelos Pais da Igreja até o terceiro e o quarto séculos. Mesmo assim o Novo Testamento é trinitário de ponta a ponta. Note-se, por exemplo, como Jesus, quando foi batizado antes de iniciar seu ministério público, ouviu a voz do Pai e viu o Espírito descendo sobre ele na forma de uma pomba; e como, depois de sua ressurreição, ele encarregou sua igreja de fazer discípulos e batizá-los no nome (singular) do Pai e do Filho e do Espírito Santo (Mateus 3.16-17; 28.19). Considere-se também a declaração de Pedro de que nós fomos “escolhidos "Creio em Deus Pai” de acordo com a presciência de Deus Pai, pela obra santificadora do Espírito, para a obediência a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue” (1 Pedro 1.2). E Paulo ora que “a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo” estejam com todos nós (2 Coríntios 13.14). Existem três abordagens possíveis com relação à verdade da Trindade: a histórica, a teológica e a baseada na experiência. Juntas, elas constituem uma base sólida para a fé trinitária.

Em primeiro lugar, existe a abordagem histórica. A doutrina da Trindade não foi inventada por teólogos teóricos em torres de marfim, que nunca fizeram mais do que especular. Pelo contrário, foi uma revelação histórica que foi sendo desvendada aos poucos. Aconteceu assim. Os apóstolos eram todos judeus que haviam sido criados acreditando em um só Deus (em oposição ao politeísmo que os cercava), que era tanto o Criador do mundo como o Deus da aliança com Israel. Então eles conheceram Jesus. Ao passarem tempo na sua presença, ouvindo-o e observando-o, convenceram-se de que ele era o Messias - aliás, mais do que o Messias, pois perdoava os pecados das pessoas e até alegava ser o juiz do mundo. Instintivamente, eles se convenceram de que ele era digno de sua adoração - ou, em outras palavras, que ele era Deus. Só que não era o Pai, pois falava sobre o Pai e orava ao Pai. Então ele começou a lhes falar de alguém outro, a quem ele chamava de “o Consolador”, ou “o Espírito da verdade”, que tomaria o seu lugar depois que ele os deixasse; e ele de fato veio no Dia de Pentecostes com a plenitude da graça e com poder divino. Assim, foram os fatos de sua própria observação que os compeliram a acreditar na Trindade. Esses eventos históricos e essas experiências não lhes deixavam outra alternativa.

Em segundo lugar, existe a abordagem teológica. A principal dificuldade que os Pais da igreja primitiva sentiam era como conciliar a unidade de Deus com o fato de Jesus ser ao mesmo tempo divino e distinto do Pai. Ou seja, como podiam crer que Jesus era simultaneamente um ser divino e uma pessoa distinta do Pai, sem se comprometerem com dois Deuses? Afinal, os dois partiam da unicidade de Deus! “O Senhor nosso Deus é o único Senhor”, eles afirmavam (Deuteronômio 6.4). Eles nunca haviam questionado seu monoteísmo. Mas agora se dividiram. Alguns insistiam em afirmar a divindade de Jesus. Mas se Deus é único e Jesus é divino, e não podemos ter dois Deuses, então Jesus não podia ser distinto do Pai. Ele devia ser a mesma pessoa que o Pai, mas revelada uma maneira diferente, de modo que Deus foi primeiro o Pai, depois o Filho, e então o Espírito Santo. Estes eram os sabelianos (seguidores de Sabélio, um presbítero romano do “Creio em Deus Pai” terceiro século). O erro deles foi negar que Jesus e o Espírito eram eternamente distintos do Pai. Outros seguiram um caminho diferente. Eles concluíram que se Deus é único e Jesus é eternamente distinto do Pai, já que não podemos ter dois Deuses, então Jesus não podia ser completamente divino. Ele deve ter sido um ser criado muito superior, mas não Deus. Estes eram os arianos (que seguiam Ario, um presbítero de Alexandria do começo do século quarto). O erro deles foi negar que Jesus era divino. O problema dos Pais da Igreja, portanto, era como afirmar que Jesus era tanto divino quanto distinto, sem contradizer a unicidade de Deus. O professor Leonard Hodgson, no seu livro “A doutrina da Trindade” (The Doctrine of Trinity, 1943), aponta como causa da confusão dos Pais a sua incapacidade de definir a natureza da unidade de Deus. Afinal, existem dois tipos de unidade: a “matemática” (que é simples e indivisível) e a “orgânica” (que é altamente complexa e pode ser composta de muitas partes). Por exemplo, quando o átomo foi descoberto os cientistas primeiro pensaram ter alcançado a unidade básica da matéria, mas depois descobriram que cada átomo é em si mesmo um minúsculo universo. De semelhante modo, a unidade de Deus não é matemática, mas sim orgânica. Dentro do complexo mistério do Deus infinito existem três maneiras pessoais de ser que são eternamente distintas e que são reveladas no Pai, no Filho e no Espírito Santo.

Em terceiro lugar, podemos abordar o assunto a partir da experiência. Existem muitas coisas na vida que não podemos explicar completamente, mas mesmo assim podemos experimentar. Poderíamos mencionar a eletricidade, ou as mudanças de pressão barométrica, ou o amor... De semelhante modo, embora não consigamos explicar a Trindade, mesmo assim, toda vez que oramos desfrutamos o acesso ao Pai através do Filho por meio do Espírito Santo (Efésios 2.18). Mais especificamente, cada vez que oramos o Pai-Nosso, mesmo sem o perceber, estamos afirmando através das nossas três petições que Deus é três em Um: é o nosso Pai eterno que nos dá o pão de cada dia; é através de Jesus Cristo que morreu pelos nossos pecados que podemos ser perdoados; e é pelo poder interior do Espírito Santo que podemos vencer as tentações e ser livrados do mal. Então, que ninguém diga que a Trindade é irrelevante para o nosso dia-a-dia!

Fonte: Firmes na Fé - John Stott.

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