A
revelação bíblica da unicidade de Deus em três pessoas foi estudada a fundo
quando a igreja pós-apostólica tentou expor sua fé no contexto da cultura
greco-romana. As conclusões desses primeiros debates acham-se expressas no
Credo Atanasiano (século VIII): “Adoramos
um Deus em Trindade, e a Trindade na Unidade; sem confundir as Pessoas nem
dividir a Substância.” Iríamos ultrapassar o escopo deste livro se
tentássemos pesquisar os detalhes técnicos dessas controvérsias; basta
referir-nos brevemente a quatro questões importantes.
Os limites da linguagem.
A
vida intertrinitária de Deus não tem evidentemente paralelo em nossa experiência.
Podemos falar sobre estes mistérios apenas porque Deus falou sobre eles nas
Escrituras. A linguagem aqui é inevitavelmente inadequada. Agostinho, por exemplo,
discutindo a propriedade do termo “pessoa” no caso da Trindade, comentou: “
Quando se pergunta: três o quê? a linguagem humana luta com uma grande pobreza de
termos. A resposta ‘três pessoas’, é dada, porém, não para que se fale, mas
para que não fique sem ser dito.” Ele salientou um ponto semelhante sobre o uso
da identidade numérica “três” com referência ao ser de Deus: “nesta Trindade,
duas ou três Pessoas não são maiores do que uma delas.”
A maneira como usamos a palavra “Deus”.
Os
escritores cristãos usam a palavra “Deus” de duas formas: algumas vezes eles se
referem especificamente ao Pai, outras, a toda a divindade. Se “Deus” é tido
como referindo-se apenas ao Pai, torna-se inevitável a subordinação do Filho e
do Espírito ao Pai. Muitas seitas deixam passar esta importante distinção e
entram assim em dificuldade com o ensino bíblico relativo à plenitude da
divindade do Filho e do Espírito. As Testemunhas de Jeová, por exemplo, deixam
de reconhecer que, no Antigo Testamento, Deus o Senhor (Yahweh/Jeová) é o Deus
trino. A “divindade” do Pai não é o que o distingue do Filho e do Espírito. As
três pessoas possuem igualmente a divindade; em virtude disto Deus é unidade na
Trindade.
Três o quê?
Como
podemos referir-nos aos “três” na divindade sem pôr em perigo a unidade de Deus?
A fórmula clássica, três “Pessoas”, acha-se prejudicada, desde que o uso contemporâneo
raramente distingue “pessoa” de “personalidade”, com as conotações de distinção
e independência desta última. Assim sendo, “três Pessoas” hoje quase chega a
indicar três Deuses diferentes. Mas não apareceu nenhum termo alternativo, de
aceitação geral, e a fórmula tradicional mantém-se ainda, apesar de suas
limitações.
A Trindade possui qualquer analogia na
experiência humana?
A
dificuldade em conceber Deus como “três em um” encorajou os pensadores cristãos
através dos séculos a buscar alguma analogia esclarecedora da Trindade. Na
clássica exposição de Agostinho, a Trindade foi ilustrada pela referência à
unidade e às distinções da memória, compreensão e vontade na alma humana. Uma
visão assim tripartida do homem, no entanto, é bastante arbitrária do ponto de
vista da psicologia moderna; mais seriamente, a analogia não pode mostrar a
unidade singular na divindade, através da qual as três Pessoas se tornam uma, e
todas elas estão envolvidas intrinsecamente na atividade de cada uma. Sob o
impacto de certas teorias modernas da personalidade, alguns teólogos
ressuscitaram a antiga analogia de um grupo de três pessoas. Assim como a
personalidade humana tem capacidade para unir-se com outras personalidades, as
“Pessoas” da divindade se fundem e se expressam na unidade divina. Esta
abordagem pode reivindicar alguma base bíblica. Jesus afirma que na união
conjugal os dois se tornam “uma só carne” (Mt 19:5ss). Esta “analogia social”
lança valiosa luz sobre a pluralidade das pessoas da divindade, mas corre o
perigo de prejudicar seriamente a unidade divina.
Fonte: Estudando As Doutrinas da Bíblia - Bruce Milne.
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