“O
exército mexicano bloqueia os zapatistas insurgentes”; “Estados Unidos concedem
ajuda econômica de 50 milhões de dólares ao México, em troca da hipoteca do
petróleo deste país”; “a desvalorização do dólar e a força do marco alemão
desvalorizam moedas mundo afora”; “existem na atualidade 44 guerras abertas no mundo”;
“em muitos países, a corrupção política e econômica afeta preferencialmente os
mais pobres”... “ídolos financeiros”, “dívida externa”, “déficit público”,
“prioridade da economia”, “escravidões sexuais”, “separações matrimoniais”, “infidelidades
conjugais”, “infidelidades sacerdotais”, “sujeição de tudo a utilidade
imediata”, “a cultura do levar vantagem em tudo, sempre à custa dos mais fracos”...
Todas essas realidades aparecem em nosso horizonte cotidiano e quase não
reagimos mais. Parece-nos ser o “normal”. E diante de nosso horizonte de vida
surge a pergunta: O que tem Oséias a ver com tudo isso? Salvo
as distâncias no tempo, Oséias encontra-se em um ambiente semelhante ao
descrito, já em meados do século VIII a.C., marcado, do ponto de vista do profetismo,
por um acontecimento relevante: é nesta época que as mensagens proféticas, até
então transmitidas oralmente, começam a ser postas por escrito', devido quase
com certeza ao fato de que a mensagem proclamada por Amós, Oséias e Isaías era
captada pelos ouvintes não como “reformista”, mas como uma autêntica ruptura
com o que tinha sido ouvido até então: a situação, considerada como estava, não
comportava reformas sem ruptura, mas uma reviravolta radical que implicaria rupturas,
tanto políticas como religiosas. Essa novidade na mensagem profética é o que
irá facilitar que seja posta por escrito. Oséias começa sua atividade profética
nos últimos anos de Jeroboão II, cujo reinado vai do ano 782 até 753, pouco
depois que Amós, seu contemporâneo, foi expulso do reino do Norte. Nosso personagem
também desenvolve sua atividade no reino do Norte, que, após a morte de
Jeroboão II, se vê dividido em dois, denominados pelo profeta “Israel” e
“Efraim”. No ano de 745, sobe ao trono da Assíria o rei Tiglat-Piléser 111, excelente
militar e desejoso de ampliar seu império (como quase todos os imperialistas).
Subjuga Israel, obrigando-o a pagar um imposto anual de 1.000 pesos de prata,
que devem ser custeados por contribuição de todos os ricos de Israel'’.
Em
poucos anos, sucedem-se vários reis em Israel (reino do Norte), cuja sucessão
não se dá por linha dinástica, mas por assassinatos e “golpes de Estado” até
que Péchal, em vez de manter a neutralidade israelita, alia-se a Damasco
(capital da Síria) para atacar Judá (reino do Sul). Judá, aliado da Assíria,
tenta sujeitar Israel e no ano 722 ocorre o assédio de Samaria por parte de
Salmanasar V, findo o qual cai em mãos da potência imperial, desaparecendo para
sempre o reino do Norte, sendo seu povo deportado para a Assíria. Essas
contínuas revoltas e assassinatos ajudam a compreender as duras críticas do
profeta a seus governantes e a decepção com que fala da monarquia (que considera
um castigo de Deus). Porém, para entender a mensagem de Oséias é preciso considerar
outros dois dados: o culto a Báal e a
infidelidade de sua esposa Gômer.
a. Culto a Báal.
Quando
os israelitas chegam à Palestina, são um povo de pastores seminômades. A imagem
divina que possuíam era a de um Deus de pastores que protegia suas migrações e
transumâncias, guiava-os pelo caminho e salvava-os no combate contra tribos e
povos vizinhos. Quando se estabeleceram em Canaã, mudaram parcialmente de
profissão, tornando-se agricultores.
Muitos deles, com uma formação precária e uma imagem de Deus imperfeita, não
podiam conceber que um Deus de pastores pudesse ajudá-los a cultivar a terra, enviar-lhes
a chuva, garantir-lhes estações propícias. O deus especialista da agricultura
era o cananeu Báal (Báal, em hebraico, significa “o que domina
o outro”, “senhor". Haveremos de constatar que quem domina outro sempre
provoca “escravidão” nele.). Os israelitas aceitaram esse culto, embora
implicasse práticas muito degradantes, como a “prostituição sagrada”. Recorrer
a Báal ou a outro deus, em outro país, não teria causado problema algum, pois
os deuses costumam ser muito tolerantes, desde que suas necessidades sejam
satisfeitas. Mas Yhwh é um Deus pessoal e intransigente, que não permite
competição de nenhum tipo. Oséias o descreverá com imagens belíssimas e
claríssimas.
b. Infidelidade de Gômer.
Chama
a atenção o fato que, no início do livro de Oséias, Yhwh mande que o profeta se
case com uma “prostituta”. Esse casamento deu muito que falar aos estudiosos e
exegetas. O mais verossímil, a partir dos estudos existentes, é pensar que
Oséias casou-se com uma jovem normal que, posteriormente, lhe foi infiel, indo
embora com outro. Experiência que teria marcado profundamente o profeta e iria
servir-lhe de base para denunciar as relações do povo com Yhwh. O que nos leva
a uma importante constatação: as experiências vividas por um crente em determinado
nível de sua personalidade (Oséias experimenta a infidelidade em nível
psicológico-existencial) afetam a pessoa em sua globalidade (por conseguinte,
também em sua experiência de fé). O salto dado por Oséias entre sua experiência
pessoal e a percepção, em termos de infidelidade, da relação do povo com Yhwh
permite um olhar de fé para essa realidade e oferecerá uma saída nos capítulos
posteriores. Por essa razão, é necessário descobrir a ação de Deus em nossa
vida cotidiana e fazer dela o caminho “normal” de nosso crescimento global
(biopsíquico, existencial e espiritual).
Fonte: Personagens
do Antigo Testamento II - Luis Alonso Schökel.
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